O Rússia Unida, o partido de Vladimir Putin, está a recrutar “hooligans do futebol” para um “exército privado” para combater na Ucrânia, dizem os serviços de informações de Kyiv.
De acordo com a Direção Principal de Informações do Ministério da Defesa da Ucrânia, citada pela imprensa internacional, o Rússia Unida tem estado a recrutar o seu próprio exército privado, através da empresa mercenária “Hispaniola”. Alguns dos membros são “hooligans do futebol”, que pertencem ao grupo militante russo Batalhão Vostok.
A “Hispaniola” foi assumida em 2023 pelo Rússia Unida, que a declarou com o estatuto de empresa militar privada e iniciou o recrutamento ativo, com fundos do próprio partido.
Do exército fazem ainda parte ultranacionalistas e radicais de todos os géneros, incluindo neonazis e civis de regiões empobrecidas da Federação Russa e dos territórios ocupados na Ucrânia. Os voluntários receberão 220 mil rublos (2.200 euros) por mês durante pelo menos seis meses na linha da frente.
É ainda prometido um seguro em caso de lesão e em caso de morte. Contudo, “para a maior parte dos recrutas, o primeiro combate é um bilhete de ida”, afirma a agência, que diz que os russos não retiram do campo de batalha os mortos e os feridos graves e que muitos são registado como ‘desaparecidos’ para “não pagar aos familiares”.
O Ukrainska Pravda refere que em novembro passado o órgão de comunicação social russo Vazhnye Istorii informou que o Batalhão Hispaniola tinha começado a contratar mulheres para lutar em destacamentos de assalto.
Já em 30 de dezembro, a agência russa TASS noticiou que adeptos ‘ultras’ do futebol russo ligados à Hispaniola tinham estabelecido um destacamento especializado no uso de ‘drones’ ‘kamikaze’ de ataque e reconhecimento Privet na Ucrânia.
A Hispaniola foi supostamente cofundada em 2022 pelo líder do Batalhão Vostok, Alexander Khodakovsky, criado após os levantamentos pró-russos no Donbass, leste da Ucrânia, em 2014.
O outro fundador foi o nacionalista Stanislav Orlov, que, segundo o projeto Evocation (que mantém uma base de dados de “propagandistas e colaboracionistas” da Rússia), está ligado aos ‘ultras’ do clube de futebol CSKA de Moscovo e terá participado na segunda campanha da Chechénia.
Orlov, afirma o Evocation, criou com adeptos radicais de outros emblemas russos uma unidade militar a partir da companhia de reconhecimento “Caveiras e Ossos”, que usava o nome de código “espanhol”, e a nova formação militar seria uma resposta ao batalhão ucraniano Azov.
A unidade afirma ter participado no cerco da siderúrgica Azovstal em Mariupol, no sul da Ucrânia, logo após o início da invasão russa, em fevereiro de 2022, e que foi então uma das batalhas mais violentas em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial, até cair, praticamente destruída, em mãos russas em maio seguinte após a rendição do Batalhão Azov.
Segundo uma reportagem do diário turco Daily Sabah divulgada em junho passado, o grupo Hispaniola tem cerca de 600 membros, um dos quais Mikhail, conhecido como ‘Pitbull’, que destacava, nos arredores de Mariupol, a camaradagem que se desenvolveu entre estes combatentes.
“Segurando uma [metralhadora] kalashnikov e com o símbolo ‘Hispaniola’ tatuado na cabeça parcialmente rapada, o adepto do Zenit de São Petersburgo afirmou: ‘Na vida civil, lutamos entre nós, mas nas trincheiras, ficamos ombro a ombro'”, relata o jornal, adicionando na sua reportagem que, “embora historicamente desconfiados do Kremlin, os combatentes salientaram que a sua lealdade reside na nação russa, e não nas autoridades”.
Em março de 2023, a Hispaniola separou-se do Batalhão Vostok e ficou sob o controle da Redut, uma empresa militar privada dirigida pelo Ministério da Defesa russo, que continua a empregar companhias privadas de mercenários, apesar da rebelião falhada em junho passado do ex-líder do Grupo Wagner Yevgeny Prigozhin, morto num desastre aéreo a norte de Moscovo dois meses mais tarde.
O portal de notícias russo anti-Kremlin Meduza, sediado em Riga, descreveu em abril do ano passado uma palestra de dois membros do batalhão Hispaniola numa faculdade de São Petersburgo e que foi caracterizada por perguntas “inapropriadas” de cinco alunos, que acabaram por ser punidos.
“Os oradores ficaram particularmente ofendidos quando questionados sobre o significado dos emblemas de caveira e ossos cruzados nos seus uniformes. O estudante que fez a pergunta apontou a semelhança entre esses emblemas e o emblema da divisão SS alemã Totenkopf. Um dos combatentes argumentou, em resposta, que um emblema semelhante foi usado pelos Cossacos do Don de Yakov Baklanov, já no século XIX”, descreve o Meduza.
Outro participante perguntou como era possível defender o país de origem no território de outro estado e a restante audiência “aplaudiu a pergunta”, tendo um dos oradores argumentado que, “quando um país está em perigo, é possível defendê-lo no território de outro”.
E outro estudante ainda, relata o Meduza, questionou como é que a Rússia e a Ucrânia poderão desenvolver-se no futuro, merecendo a seguinte resposta: “Isto requer uma compreensão do que é vitória e do que é derrota. Naturalmente, não temos ideia sobre isso. Talvez o nosso chefe de Estado [Putin] seja a única pessoa que tem alguma ideia”.
Leia Também: Moscovo e Kyiv trocam quase 500 prisioneiros de guerra