Numa altura em que estamos a pouco mais de um mês das eleições legislativas, que terão lugar a 10 de março, após a queda do Governo socialista de António Costa, o Notícias ao Minuto esteve à conversa com Rui Tavares, sobre as perspetivas para esta ida às urnas, assim como sobre os objetivos propostos pelo Livre. O porta-voz do partido assume que se opõe às “políticas de Direita”, sublinhando que o que se passa ‘do outro lado’ “é bem mais grave do que uma barafunda”, mas assinalando que também “a Esquerda pode fazer melhor do que uma geringonça”.
“Se houver maioria de Esquerda, somos parte da solução. Se houver maioria de Direita, somos parte da oposição”, enfatiza o dirigente do Livre.
Ao Vozes ao Minuto, Rui Tavares salientou que o Livre quer ser parte de um “caminho” com “soluções” para o país, com uma grande bandeira no programa do partido – a erradicação da pobreza como fenómeno estrutural do país.
Nesse âmbito, o Livre apresenta medidas como o Rendimento Básico Incondicional, a criação de uma herança social ou a introdução de um projeto-piloto da semana de trabalho de quatro dias. Medidas essas que pretendem “reduzir os custos das famílias” e trazer mais “felicidade e liberdade” financeira e social.
Referindo que “a extrema-direita” em Portugal não vai “ser um problema fácil de resolver”, Rui Tavares acusa a Direita democrática de viver, neste momento, “um processo de canibalização” repleto de “linhas vermelhas” depois de deixar “crescer o perigo no seu seio”. O também fundador do Livre assume que o partido tem “um objetivo moral” de “afastar extremistas do poder em Portugal”, e refere-se a André Ventura como “uma pessoa perigosa do ponto de vista político”, acautelando que a sua liderança “não tem escrúpulos”, mas que “é inteligente”.
A Rui Tavares, juntou-se nesta entrevista a deputada e candidata por Lisboa, Isabel Mendes Lopes, que interveio na explicação de alguns temas relevantes do programa do Livre para as eleições legislativas de março.
[Queremos] que a Esquerda ganhe as eleições e que haja uma maioria de progresso na próxima legislatura em Portugal
Começamos pelas expetativas face às eleições legislativas de 10 de março. Anteriormente, afirmou que esperava dois deputados ou um resultado superior. O que ambiciona neste momento?
Rui Tavares: O Livre é um caso de um voto, três objetivos. Temos um objetivo político que é crescer, ter um grupo parlamentar, quanto mais numeroso melhor, para defender as ideias da Esquerda verde europeia na Assembleia da República. Em segundo lugar, ajudar a que a Esquerda ganhe as eleições e que haja uma maioria de progresso e de ecologia na próxima legislatura em Portugal, que tenha um programa para quatro anos, que seja negociado de forma clara, multilateral e que as pessoas possam, depois de um acordo assinado, escrutinar e fiscalizar a ação governativa nesses quatro anos. E, terceiro, temos um objetivo moral ou ético, que é de afastar extremistas do poder em Portugal, até inclusive dando tempo a que o Centro e a Direita democráticas possam resolver o grave problema que nasceu no seio da sua família política, que está num processo acelerado de autofagia, que não dá segurança a ninguém e que não daria estabilidade ao país.
Como é que se conseguem estes três objetivos? Através de uma ação que seja otimista, alegre, que proponha aquilo a que chamamos de objetos de desejo político. Não se defende a democracia do medo com um discurso só do contramedo. Defende-se explicando às pessoas como é que as coisas podem ser melhores, como é que nós podemos viver de uma forma que seja mais saudável, com uma cultura de trabalho que seja mais produtiva e, ao mesmo tempo, mais equilibrada para as pessoas, com mais respeito e ajuda mútua na sociedade, com uma capacidade de acrescentar ao contrato democrático e social um contrato ambiental, mas que faça toda a gente ficar a viver melhor. Essa transição ambiental deve ser feita com as pessoas e providenciando às pessoas mais conforto material, mais dignidade, com uma prosperidade partilhada e mais harmoniosa.
Em termos de propostas do Livre, quais foram as que mais marcaram esta última legislatura
Isabel Mendes Lopes: Uma das primeiras iniciativas que apresentámos foi o alargamento do subsídio de desemprego a vítimas de violência doméstica. Apresentámos logo no Orçamento do Estado para 2022, foi aprovada e só agora foi legislada, no final de 2023. É uma grande vitória do Livre por uma sociedade mais humanista, que salvaguarde e dê mão às pessoas quando elas mais precisam.
RT: O Rui Rio, por exemplo, achou ridículo que as pessoas pudessem ter acesso ao subsídio de desemprego a seu pedido. Quando, no fundo, é uma situação igual a que se as pessoas podem ter acesso a prestações sociais a seu pedido em caso de doença, como em caso de viuvez. Ser vítima de violência doméstica é uma das situações mais involuntárias que existem.
IML: A outra grande conquista – que também foi dito que seria absurda – foi a criação do Passe Ferroviário Nacional, que conseguimos fazer aprovar no OE 2023. Nas discussões com o então ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno de Santos, disse que seria impossível, mas a verdade é que conseguimos fazer aprovar, primeiro apenas para comboios regionais, mas que já dava acesso a 100 comboios por dia e já milhares de pessoas estão a utilizar o passe desde agosto. Agora, conseguimos que fosse alargado a todos os interregionais, a urbanos e intercidades em determinados troços. Além de uma questão ambiental, é também uma questão de reduzir os custos das famílias e proporcionar maior liberdade de escolha na altura de fazer viagens.
Outra medida aprovada no primeiro OE de 2022 foi o projeto-piloto da semana de quatro dias. O tempo sempre foi um aspeto muito importante naquilo que o Livre defende, porque todos temos muito pouco tempo na nossa vida e é essencial para a nossa felicidade e liberdade. Em 2023, foi lançado o projeto-piloto, dezenas de empresas aderiram, mais de 1.000 trabalhadores estão a experimentar e os primeiros resultados preliminares – que não é surpresa nenhuma – dão conta de que as pessoas estão mais descansadas, têm mais tempo para estar com a família, têm menos sintomas de burnout, estão mais felizes e a produtividade aumentou.
Por fim, acrescento mais uma que foi o programa 3C – Casa, Conforto e Clima -, em que conseguimos alocar 140 milhões de euros para que as pessoas possam renovar as suas casas, instalar janelas duplas, bombas de calor, melhorar os revestimentos térmicos das casas. Portugal é o país onde se passa mais frio e mais calor em casa, há problemas grandes de mortalidade relacionados tanto com o frio como com o calor. Muitas vezes são também pessoas mais vulneráveis, mais velhas, com doenças que estão a viver em casas sem condições e, portanto, a renovação das casas tem de ser uma prioridade do país. Estamos a falar de uma questão de justiça social, mas que tem um enorme impacto a nível ambiental, reduzindo a pegada energética do país e a dependência de combustíveis fósseis.
Em Portugal, passa-se demasiado tempo a conseguir transitar de uma situação de privação material e financeira para a classe média
Nesse sentido, o que é que o Livre ainda tem por conquistar? Qual ou quais medidas é que ainda não conseguiram aprovar?
RT: Temos várias medidas que estão por conquistar – como o alargamento do passe ferroviário nacional a todos os comboios e a implementação da semana de quatro dias – mas o que temos dito é que, nos primeiros tempos de legislatura, é essencial que seja conseguida a resolução dos problemas que hoje estão a afetar as carreiras na educação, na saúde, na segurança. Depois já com esses problemas resolvidos nestes setores tão essenciais, é dar o salto. Esperamos que haja um acordo nesta maioria progressista de Esquerda que vai sair das eleições e para a qual nós estamos a trabalhar e queremos contribuir.
Estas medidas ajudam a nossa economia, além de terem um âmbito social, seja pela integração de novos modelos de gestão, seja porque essas negociações devem garantir a harmonia social e laboral nestes setores. Devem ser feitas não só como resposta a reivindicações, mas com projetos acerca do que a escola, a saúde, a segurança podem e devem ser no futuro, o que têm de garantir e o que é que podem conquistar mais.
Devemos também adicionar um grande objetivo nacional, antigo, mas que tem de ser renovado e reatualizado, que ficou esquecido no debate público nos últimos anos, que é a erradicação da pobreza como fenómeno estrutural na vida do nosso país. Isto quer dizer que Portugal, sendo um país da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico], não deve naturalizar a ideia de que vai ser sempre um país com enormes bolsas de pobreza. Outros países, até na nossa área geográfica, conseguiram vencer a pobreza como fenómeno estrutural.
Em Portugal, passa-se demasiado tempo a conseguir transitar de uma situação de privação material e financeira para a classe média. São cinco gerações em média, segundo dizem alguns estudos sociológicos. Em certas regiões do país, a situação até é mais séria e há famílias que nunca saíram dessa situação na base da escala de rendimentos.
E de que forma se pode alterar a situação de pobreza como “fenómeno estrutural”?
RT: Ora, isto pode mudar com ferramentas que já temos e que só precisam de ser reforçadas. O abono de família, por exemplo, é um instrumento muito eficaz na erradicação da pobreza infantil. É quase estatístico que se aumentar o abono de família, diminui a pobreza infantil. Conseguimos, no OE 2023, majorar o abono de família das famílias monoparentais, porque essas estão numa situação ainda de maior vulnerabilidade e é uma coisa que se prolonga no OE deste ano. É um começo do caminho…
E também trazem novamente uma proposta do Rendimento Básico Incondicional, que não tem sido acompanhada nos Orçamentos.
RT: É uma ferramenta que pode ser muito reforçada para ninguém estar abaixo de um certo patamar de dignidade. Apresentámos a proposta em todos os Orçamentos, não tivemos acompanhamento, nem sequer à Esquerda, para uma coisa tão simples e tão barata, como fazer um projeto-piloto que pode custar entre 20 a 30 milhões de euros e pode permitir perceber como resolver determinados problemas administrativos. Na verdade, a certa altura, com a inflação, o Governo e o Ministério das Finanças, em particular, decidiram avançar com transferências diretas para as pessoas – toda a gente se lembra dos 125 euros que depois tiveram imensos problemas práticos. Aquilo que nós queremos é um projeto-piloto do rendimento básico incondicional para estudar, aprofundar, ter dados e depois se poder decidir. Se já o tivessem feito, sabiam melhor como fazer aquilo que foi uma espécie de micro rendimento básico incondicional ad hoc.
Enquanto esse debate avança, e temos noção de que ele vai avançar mais depressa do que aquilo que muita gente pensa, mas mais lentamente do que nós gostaríamos, há uma outra proposta que nós acreditamos que pode ter pés para andar nas próximas duas legislaturas. Na próxima legislatura, sob a forma de estudo, com um debate aprofundado, e a seguir sob a forma de legislação – que é a criação de uma herança social.
Herança social é dizer a uma pessoa, por mais pequena que seja, que tem o direito não só de sonhar em grande, mas de ter a hipótese razoável de concretizar alguns desses sonhos
A criação de uma herança social foi uma proposta do vosso programa apresentada no XIII Congresso do partido, que se realizou no final de janeiro. Em que consiste esta medida
RT: Basicamente, pode ser, a título de exemplo, a abertura de uma conta poupança a toda a criança que nasce em Portugal e que depois capitaliza ao longo do tempo. Pode ser em certificados de aforro ou até encontrar outra forma de financiamento, feito através de um imposto sobre grandes heranças, e devo sublinhar que é para não haver equívocos, apenas sobre grandes heranças. Heranças de milhões de euros.
Essa herança social pode ser atribuível à nascença e essa pessoa pode aceder entre os 18 e os 35 anos. Isto permite financiar a persecução de um ciclo de estudos ou ajudar a ter entrada para a compra de uma primeira habitação própria permanente, permite juntar os seus recursos e criarem uma pequena e média empresa ou uma cooperativa, ou comprar material que sirva para uma pessoa desenvolver um talento, uma capacidade, uma qualificação que já tem e, assim, lançar-se no mercado de trabalho. Basicamente, é aquela ideia um bocadinho romântica da herança deixada por um parente longínquo que a pessoa não conhece bem, mas que a maior parte das pessoas nunca terá. É dizer a uma pessoa, por mais pequena que seja, que tem o direito não só de sonhar em grande, mas de ter a hipótese razoável de concretizar alguns desses sonhos. É algo bom para a sociedade como um todo, porque significa mais dinamismo, mais criatividade, mais criação de emprego, mais qualificação da força de trabalho. Essa medida pode e deve ser discutida.
Portanto, essas crianças que nascem hoje, em certo sentido, são obrigação e responsabilidade de todos nós. Se for uma herança social de 5 mil euros significa um gasto de 200 milhões de euros anuais, se for de 10 mil euros, 400 milhões de euros anuais. Se forem certificados de aforro, depositados agora, valorizam com o tempo. Não estamos a dizer que a vamos atribuir nos próximos quatro anos, mas esse debate vai ser feito para que a sociedade seja envolvida. O abono de família e o complemento solidário para idosos resolvem situações preventivas, mas este pode servir de trampolim ou de catapulta social. Se uma pessoa pode fazer aquele mestrado ou pode comprar aquele material de trabalho aos 20 anos, em vez de só poder fazer aos 30 ou 35, ou deixar esse projeto e nunca o chegar a fazer, perde essa pessoa e perdemos todos.
Então, se os bebés que nascem hoje puderem beneficiar dessa herança social a partir dos 18 anos, falamos de uma medida para daqui a quase duas décadas, certo? A muito longo prazo…
RT: Já tivemos, por causa da pandemia, e mais recentemente por causa da inflação, rendimentos básicos incondicionais de emergência e que ajudaram que as nossas crises não fossem tão profundas. A quebra na economia com a pandemia foi de cerca de 20% em 2020. Se não tivesse havido ações do Estado que tivessem compensado isto, no caso da Europa o lay-off e o seguro de emprego a nível europeu, ajudou-se a que os subsídios de desemprego tivessem o seu efeito amortecedor. O sofrimento, o impacto da crise pandémica na economia teria sido mais sério do que, se calhar, da grande depressão nos anos 30 do século passado. Isto dá razões de esperança, sabemos fazer determinadas coisas que há um século não sabíamos. Este rendimento não tem de ser invariável e ele próprio pode servir de amortecedor, de ferramenta contracíclica para a economia. Por exemplo, sendo maior em períodos de recessão e menor em períodos de crescimento económico ou de inflação. Percebemos que estamos numa corrida de fundo, em que é preciso começar a fazer projetos-piloto, a estudar modelos e a ver formas de calibrar essa incondicionalidade.
Muita gente que pensa no rendimento básico incondicional, pensa que é uma boa ideia, mas é para daqui a 50 anos, na melhor das hipóteses. E bem, nada mau, porque a ideia começou a ser discutida há 500 anos. Na primeira vez que falei disto neste mandato na Assembleia da República, a certa altura estava no parque infantil com um dos meus filhos, que estava a brincar com uma menina, cujo avô era deputado do PSD. Ele – professor universitário de economia – veio ter comigo, deu-me os parabéns pela intervenção e disse ‘daqui a 10 anos vamos estar todos a falar de rendimento básico incondicional’. Já tinha dado aulas sobre o assunto e conhecia muito bem os vários modelos propostos. Portanto, a resposta dos líderes desses partidos, que é de desmerecer da ideia, não é a mesma que as elites dos seus partidos.
Há países na Europa que já fizeram esses projetos-piloto, como a Finlândia por exemplo. Os resultados não foram incríveis em termos de emprego, mas as pessoas encontraram felicidade…
RT: O que havia na Finlândia era uma comparação entre uma espécie de rendimento social de inserção, que a pessoa perde quando encontra emprego, ou um rendimento básico incondicional que a pessoa mantinha quando encontrava emprego. O que é que isto deu? As pessoas tinham um estímulo maior para procurar emprego, porque não tinham medo de perder o rendimento. Ali sabiam, que se encontrarem emprego, ainda podiam manter o rendimento enquanto a experiência durar. Para fazermos um projeto-piloto, porque é uma coisa mais barata e muito mais localizada, basta levarmos isto para cima da mesa numa maioria parlamentar de que nós façamos parte e pode ser implementado na próxima legislatura. É perfeitamente fazível. E que, inclusive, nos permite ajudar a antecipar problemas que quando um dia quisermos implementar o rendimento básico incondicional, quando os outros países o estiverem a fazer, Portugal também que não ficou para trás nessa discussão e na aquisição dessa base de conhecimento.
Se houver maioria de Esquerda, somos parte da solução. Se houver maioria de Direita, somos parte da oposição
Ao longo da conversa, refere-se a uma “maioria parlamentar” na qual o Livre possa ser integrado e já tinha assumido que quer um acordo multilateral à Esquerda. Acha possível? Há essa união à Esquerda para que isto seja fazível?
RT: Existe em vários países europeus e não há nenhuma razão para que não sigamos as melhores práticas europeias, ainda por cima, quando não são imposições de ninguém, mas são simplesmente uma coisa que é boa, que traz mais estabilidade à governação em países que são comparáveis com Portugal. Em geral, as maiorias não são maiorias absolutas. Toda a gente percebeu que as maiorias absolutas podem ser tão ou mais instáveis do que qualquer outra forma de governo – como neste caso revelou ser -, mas haver maiorias plurais, podem ser de dois, três, quatro, cinco ou até mais partidos. O que é que se faz? Desejavelmente, do ponto de vista do Livre, uma negociação multilateral. Deve fazer-se melhor do que se fez na altura da geringonça, que era cada partido negociava separadamente com o Partido Socialista (PS), o que acabava por dar uma centralidade só a um partido e depois deu no que deu também.
A sociedade civil deve ser preferencialmente envolvida, devem ser criados grupos de trabalho para discutir acordos setoriais e isso deve ser feito de forma pública. Demore o tempo que demorar, agora não temos a pressão de termos um orçamento a duodécimos. Um acordo assinado, que pode ser escrutinado e fiscalizado pelas pessoas durante a legislatura, seremos punidos se não cumprirmos e seremos beneficiados se cumprirmos. A nossa disponibilidade é aquela que é conhecida, a abertura é assumida por parte do Livre. Podemos, inclusive, já antes das eleições, ter pelo menos o compromisso dos vários partidos, para que as coisas fiquem claras para os eleitores, se estão ou não disponíveis para fazê-lo e com quem estão disponíveis ou não para fazê-lo.
E haverá essa disponibilidade dos outros partidos da Esquerda
RT: Acho mal se não houver. Tem de haver clareza. A política de alianças, hoje em dia, é um elemento central à política contemporânea e, para os eleitores estarem informados, precisam de saber qual é a política de alianças que este partido pratica. Aliás, passamos imenso tempo a discutir à Direita, se a porta está aberta, se está a entreaberta, se está fechada, etc. É tempo que poderíamos passar a discutir outras coisas mais importantes. Se houver maioria de Esquerda, somos parte da solução. Se houver maioria de Direita, somos parte da oposição. E os outros partidos deveriam todos fazer o mesmo. Uma das maneiras de os trazer a jogo é assumir com naturalidade qual é que é a nossa política de alianças e qual é o nosso modelo preferencial de negociação.
O que a Direita tem para oferecer a Portugal neste momento é uma situação de caos político
Neste sentido, o posicionamento da Direita com a criação da Aliança Democrática (AD) poderá dar alguma vantagem nas próximas eleições ou esta aliança entre PSD, CDS-PP e PPM poderá ser visto como um ato de desespero?
RT: O problema é que a Direita democrática deixou crescer o perigo da extrema-direita no seu seio. Neste momento, já nem é possível dizer que o que temos em escolha nas próximas eleições é a geringonça contra a barafunda, porque o que se passa na Direita já é bem mais grave do que uma barafunda, ao mesmo tempo que a Esquerda pode fazer melhor do que uma geringonça. O que temos na Direita é um processo de canibalização. Neste momento, o Chega pretende suplantar o PSD, rouba deputados, pré-anuncia disponibilidades do PSD de que nem sequer o próprio líder falou, dizendo que tem garantias, alegadamente, de dentro do PSD, de que terá uma aliança. É uma espécie de monstro de duas cabeças, cada uma a querer devorar a outra e a Iniciativa Liberal (IL) está um bocadinho perdida ali no meio.
Opomo-nos às políticas da Direita, das quais somos adversários políticos, mas, na verdade, é pior do que isso. Seria uma enorme instabilidade para o país um governo em que PSD e Chega estejam em paridade, significa estar o tempo todo a olharem por cima do ombro a ver quando é que lhe vai ser espetada uma faca nas costas, no primeiro momento, para beneficiar de uma crise política onde, depois, um suplante o outro. O que a Direita tem para oferecer a Portugal neste momento é uma situação de caos político.
Não me parece que a criação da AD tenha introduzido nenhum tipo de clareza no jogo político, porque a incerteza está ali do outro lado. Nós vemos Luís Montenegro dizer que os princípios do PSD podem ser diferenciados com o assunto do território. Porque nos Açores já vimos que José Manuel Bolieiro abriu a porta a uma coligação pós-eleitoral com o Chega. Os princípios do PSD são os que estão nos estatutos e na carta de princípios do partido. Até eu os li e não sou do PSD! E, que eu saiba, não variam com a pressão atmosférica, nem com ser no continente ou nos Açores, não dilatam nem contraem, é preciso que sejam sempre os mesmos. Portanto, se ele admite essa diferença nas ilhas – antes também já foi admitido na Madeira pelo próprio Miguel Albuquerque, que foi mandatário de Montenegro – é legítima a pergunta ‘o que é que eles estão a esconder?’. Um ex-dirigente do PSD, Jorge Moreira da Silva, dizia que o Chega é um perigo para o PSD.
Eu diria que o Chega é um perigo para a democracia portuguesa e um empecilho na normal alternância democrática entre Esquerda e Direita no nosso país. Portanto, a única maneira de lidar com o Chega é acantoná-lo, isolá-lo, identificar a ameaça e ir diminuindo o seu potencial de votos. É uma coisa que vai demorar tempo, naturalmente. E nós devemos dar tempo à nossa Direita democrática para que o consiga fazer.
Portugal teve muita sorte durante muito tempo, nunca houve na extrema-direita uma liderança mais competente e inteligente que conseguisse tirar partido de determinados temas e sentimentos
A AD não terá sido uma forma de Luís Montenegro dizer, ou tentar dizer e dar a ideia, de que não se vai coligar com o Chega porque tem outros aliados?
RT: Reparem numa coisa, os aliados do PSD nessa aliança democrática são um PPM, de quem agora não dá jeito falar porque já perceberam que tem uma liderança que não é muito apresentável por ter dito coisas machistas, completamente fora do nosso tempo e fora de qualquer tato político ou até social, que foi a barriga da aluguer de André Ventura, quando ainda não tinha conseguido legalizar o seu partido. E, aliás, em condições que são bastante estranhas.
Aquela coligação que na altura se chamava Basta – com o PPM com o Partido Pró Vida -, que depois foi absorvido pelo Chega, apresentou-se com um orçamento de campanha para as Europeia, em 2019, que seria de 500 mil euros, com o país adaptado de cartazes, e acabaram a ter menos de 10 mil votos do que o Livre. Nunca ficou muito bem explicado esse financiamento e o PPM foi parte disso. Portanto, André Ventura começou no PSD, apadrinhado por Pedro Passos Coelho, como o PPM, outro membro da coligação do PSD agora, que lhe deu a plataforma para fazer o discurso que agora vemos. São linhas vermelhas, muito variáveis e, reitero, tudo seria mais claro se, por uma vez, ouvíssemos o PSD dizer que estes senhores são perigosos e devem ser combatidos. Aí, saberíamos que não ia haver alianças no dia seguinte.
É necessário para o país que essa posição seja, de uma vez por todas, tomada…
RT: É desejável que isso possa acontecer. Desejo que o PSD, como partido fundador da nossa democracia, em vez de estar nesta negligência ingénua acerca do perigo que está a nascer à sua Direita e a tentar convencer-nos de que a Esquerda é que exagera, se aperceba por um momento que as primeiras vítimas serão eles. Como aconteceu no Brasil e nos Estados Unidos, os partidos da Direita tradicional foram ‘comidos’ por dentro por este populismo, que só deixa o seu rasto de destruição, como no Capitólio (EUA), no Palácio do Planalto (Brasil) ou num país completamente corrompido como é a Hungria.
O PSD tem de acordar e falar a verdade aos portugueses de Direita. Podemos evitar aquilo que já aconteceu noutros países com este tipo de proposta política. Já houve lideranças na Direita que o fizeram, através de cartas, de manifestos, de artigos de opinião… Infelizmente, essas vozes foram sempre acantonadas e isoladas, quando quem deveria ter sido isolado e acantonado é quem propõe acordos com a extrema-direita. Nós estamos numa forma mais inicial deste fenómeno. Mas acho extraordinário deixar-se que o Chega faça um discurso de limpeza do país sem que toda a gente ria à gargalhada a seguir.
Como é que os aliados do Chega deixaram os países onde estiveram? Foi limpo ou foi tudo escaqueirado e conspurcado? Cada vez que aparece um caso de corrupção dizem ‘isto vai beneficiar o Chega’, mas porquê? O Chega é anti-corrupção? O Chega é aliado de Viktor Órban [primeiro-ministro da Hungria], o homem mais corrupto da Europa, um partido que ainda mal começou e já está tão manchado por casos suspeitos e financiamentos que não se sabe de onde é que vêm. A única resposta teria de ser uma gargalhada geral. E aí, não só os partidos, mas fora dos partidos, há muita gente que está a ser invulgarmente passiva.
Mas até pela fase em que o país está a passar, com muitas polémicas judiciais a manchar a política, as sondagens apontam o Chega como a terceira força política e está em tendência ascendente. Considera que este contexto vai levar os portugueses às urnas ou aumentar as taxas de abstenção?
RT: Temos de respeitar toda a gente, eleitora e eleitor. Mas isso também significa falar a verdade às pessoas. Quando falo dos perigos da extrema-direita para o nosso país, poderia falar, como historiador, de coisas que aconteceram há 100 anos, mas não, falo de coisas que aconteceram recentemente em países que nos são próximos culturalmente ou coisas que vi com os meus próprios olhos. Tenho a obrigação moral de o dizer, não o faço por taticismo. Hoje em dia parece que há sempre pretextos para a extrema-direita crescer, basta respirar ou dizer uma verdade…
Pelo contrário, quem ajuda é quem nega o perigo que ali está. Não vai ser um problema fácil de resolver. Basicamente, Portugal teve muita sorte durante muito tempo, nunca houve na extrema-direita uma liderança mais competente e inteligente que conseguisse tirar partido de determinados temas e sentimentos que existem em qualquer sociedade. Até recentemente, os políticos portugueses ou tinham tido escrúpulos e não o faziam, ou os que tentavam fazer eram demasiado incompetentes. O que é que surgiu? Uma liderança que não tem escrúpulos e que é inteligente. Isto significa uma pessoa perigosa do ponto de vista político.
Os eleitores que quiserem votar, porque querem ver o circo pegar fogo, porque querem ver alguma grande mudança, estão certamente no seu direito, mas quanto mais souberem acerca do que isso significa, menos ignorância poderão alegar. Do nosso lado, temos medidas que melhoram a vida das pessoas e que fazem as pessoas trabalhar diferente, viver diferente, terem mais segurança na saúde e na educação das suas famílias. Ainda que com muito menos destaque por parte da comunicação social, com muito menos a ser ‘levados ao colo’, porque fizemos o nosso congresso que estava marcado já há muito tempo e a extrema-direita inventou um congresso e as televisões foram todas para o deles.
Temos de transitar para um modelo em que o SNS seja o pilar da saúde em Portugal, onde as pessoas conseguem encontrar as respostas para aquilo que precisam
Falávamos agora de saúde. Como o caso do alargamento da interrupção voluntária da gravidez (IGV) das 10 para as 14 semanas. Será possível concretizar esta medida Não serão necessários mais recursos, falando relativamente ao SNS, que Portugal não tem neste momento?
IML: Na verdade, primeiro é preciso resolver o problema estrutural que existe, com implicação em todos os campos da saúde e também no direito à IGV. O foco tem de ser a resolução do sub-financiamento crónico do SNS. Em relação especificamente à IGV, o grande problema é que o direito não é assegurado em todo o país. Uma pessoa que esteja longe de Lisboa, muitas vezes tem de cá vir para conseguir fazer uma IGV e é encaminhada para uma clínica privada e não pode ser. É preciso mais recursos, mas essa é a verdade para todo o setor da saúde.
Outra coisa que acontece é a falta de possibilidade de ter o acompanhamento e de realizar a interrupção voluntária da gravidez no sítio onde a pessoa mora. Ou seja, este alargamento prende-se mais com o facto de a grávida ter mais tempo, porque, às vezes, às 10 semanas, pode nem saber que está grávida e, por vezes, é preciso haver algum período de reflexão pessoal para a pessoa decidir o que é que quer fazer. Além do alargamento para as 14 semanas, é preciso assegurar que as pessoas conseguem ter o acompanhamento no seu território. Temos falta de equidade no acesso à IVG e com custos que as pessoas, às vezes, nem conseguem suportar.
Ou seja, para que seja possível é preciso alocar mais profissionais de saúde no serviço público de saúde, dos quais não dispomos, além de termos a questão do direito à objeção de consciência…
IML: É preciso pensar o que é que uma objeção de consciência, neste caso, poderá querer dizer. Temos um ecografista que vai fazer uma ecografia e é objetor de consciência, mesmo que seja num processo de IVG, não está a realizar o procedimento. Será que pode fazer a ecografia ou não? Neste momento fica arredado do processo. Se calhar pode pensar-se e perceber se, de facto, os profissionais ficam arredados de todo o processo ou se podem participar em algumas [das fases]. É algo que tem de ser dialogado com os profissionais para chegarmos a uma solução que seja a melhor para toda a gente.
O Livre também defende a não renovação dos contratos das Parcerias Público-Privadas (PPP). Disse há pouco que muitas pessoas são encaminhadas para clínicas privadas. Assim sendo, se estas parcerias não existissem, como é que o sistema iria funcionar?
IML: Temos de transitar para um modelo em que o SNS seja o pilar da saúde em Portugal. Claro que o setor privado existe e faz parte também dos cuidados de saúde, mas tem de ser no SNS que as pessoas conseguem encontrar as respostas para aquilo que precisam. Além de resolver as questões da harmonia laboral e social, há outras medidas, uma das quais que apresentámos no Parlamento e que foi chumbada, que tem a ver com uma igualdade de obrigação e de reporte de informação entre o setor público e o setor privado de saúde. O setor privado sabe tudo sobre o setor público e o setor público sabe pouco sobre o privado e há uma concorrência desleal na busca de profissionais de saúde, por exemplo.
RT: Os privados estão nas grelhas salariais do público e sabem quanto é que têm de oferecer para competir por profissionais. Se o público não sabe quais são as grelhas salariais do privado, está a competir pelos mesmos profissionais de olhos vendados e com uma mão atada atrás das costas, porque não sabe até quanto é que deve subir a sua oferta para reter aquele profissional. É possível um privado basicamente rebentar com o público e, depois, rebentar com os rendimentos dos profissionais de saúde também. Como já não têm aquele patamar mínimo, podem baixar salários. Vemos isto acontecer noutros setores, em que, em alguns casos, é possível concorrer com perdas, só para rebentar com a concorrência e depois praticar os preços que se quiser praticar.
Deveríamos conhecer bem os dados de que dispomos, porque numa emergência precisamos de os mobilizar todos, portanto, é uma condição essencial de concorrência que seja leal. A lei diz que os privados devem ser complementares ao público e não que devem estar em concorrência, mas havendo, que seja leal. Porque aí, quando dissermos, é preciso aumentar os vencimentos dos profissionais de saúde… É preciso aumentar quanto? Quantas centenas ou milhares de milhões é que custa Agora não podemos planear adequadamente, mas quando tivermos essa informação, poderemos fazê-lo e introduzir alguma integridade no sistema.
Seria desejável que um acordo com os professores fosse obtido nos primeiros 100 dias de uma nova governação
No que diz respeito à educação – setor em que (também) estamos a passar por um momento conturbado, com insatisfação e revolta por parte dos professores da escola pública – qual é o problema estrutural desta questão e de que forma é que isto se resolve? Que resposta é que tem para dar a um professor que reivindica a recuperação integral do tempo de serviço?
RT: Do lado dos professores, o que nós temos é uma perda de capital social e de prestígio da profissão, que nos vai levar a um enorme problema, que é haver professores que se estão a aposentar, ou que estamos a perder para a profissão e não vão ser substituídos. Não é que haja falta de vocação nas gerações mais jovens para ensinar, pelo contrário. O que é que as pessoas que têm essas vocações ouvem? ‘Não te metas nisso, têm imensos problemas, andam com a casa às costas, ninguém os ouve, o Ministério não os respeita e nem são remunerados do tempo de serviço que deram’. Isso é o maior sinal de desrespeito perante qualquer profissional, não é? Trabalhar e não receber…
Temos de fazer um enorme esforço de recuperação desse capital social, que passa por respeitar o tempo de serviço que deram. Desde 2015, o Livre defende que o tempo de serviço tem de ser reposto. Seria desejável que um acordo com os professores fosse obtido nos primeiros 100 dias de uma nova governação. É importante que, até ao fim do ano, essa questão esteja assegurada, porque deve ser parte de uma conversa mais ampla. Não é apenas uma reivindicação salarial ou profissional, trata-se de um diálogo conjunto com a comunidade escolar acerca do que a escola pública pode ser no futuro. Os próprios professores também o pedem, dizem-nos que o modelo de governação das escolas está muito hierárquico, não dá espaço à autonomia, à inovação, ao trabalho em equipa, aos programas adaptados aos alunos.
Um gravíssimo problema é o cruzamento das dificuldades que a profissão já tem com a habitação. Por exemplo, uma professora de matemática em substituição, em Sesimbra, que ia fazer os dois meses finais do ano letivo e que só arranjou quarto a 400 euros por semana. Quarto, não é apartamento, e não é por mês, é por semana. Não pôde aceitar, porque não compensava e os miúdos ficaram sem matemática. É preciso falar da reintrodução de casas de função para professores que já seria uma grande ajuda para recuperar o capital social e o prestígio da profissão.
IML: O objetivo da escola pública não é estar só centrada nos professores, mas sim nos alunos. A escola deve ser o trampolim para que uma criança consiga crescer naquilo que é todo o seu potencial, que aprenda a viver em comunidade e que este seja um espaço seguro. Deve ser dada a possibilidade a qualquer escola pública de se tornar uma escola verdadeiramente centrada em cada aluno, inclusiva – embora hoje já acolham crianças que antes não conseguiam e é um bom passo, mas ainda muito insuficiente – e que responda às necessidades de cada um. No fundo, que tenhamos a possibilidade de ter escolas livres com projetos pedagógicos próprios e centrados nas suas crianças e na comunidade onde estão inseridas.
O pagamento destes retroativos não pode acabar por gerar injustiças relativas a outras carreiras na Função Pública
RT: Certo, e depois também vai ser preciso negociar. Mas ninguém ganha com um erro inicial que é não respeitar esta carreira, porque na verdade houve reversões de medidas da troika que outros funcionários públicos já beneficiaram e os professores ficaram de fora. A manutenção do erro não beneficia ninguém.
Esta insatisfação estende-se até outros setores, como as manifestações das forças de segurança de norte a sul do país e no caso dos jornalistas da Global Media…
RT: E podem ter a certeza que, a prolongar-se muito tempo, não faltam vocações para jornalismo, mas começam a faltar profissionais. As pessoas ganham medo e perdemos todos com isso, perdemos quem queira fazer esse serviço que, no fundo, é público. E podemos dizer a mesma coisa sobre polícias. As pessoas começam a não querer ir para essas profissões com medo de não ser respeitadas, mas a sociedade precisa delas. Precisa de professores, de enfermeiros, de polícias, de jornalistas, de carteiros e por aí fora.
Não podemos perder tempo com ‘Bolsonarices’ ou ‘Trumpices’, que significará que Portugal vai ficar mais 10 ou 20 anos atrasado
Sobre as polémicas que mancham o cenário político do país, como o caso da Operação Influencer que levou à demissão de António Costa e mais recentemente o caso da alegada corrupção a envolver o Governo Regional da Madeira de Miguel Albuquerque. Como é que vê estes “casos e casinhos”? A Madeira deve ir a novas eleições?
RT: As pessoas estão mais exigentes do ponto de vista da gestão do exercício do poder, seja político, seja judicial, seja até mediático. O que nós temos de fazer é acompanhar e, no seu cerne, isto vem de um lado bom, temos 50 anos de democracia e as pessoas agora querem mais. Também fomos dando crescentemente mais meios de investigação, seja à Polícia Judiciária, seja ao Ministério Público, para ir atrás de casos que possam ser criminais, mas a Justiça tem de comunicar melhor, tem de guardar melhor os segredos daquilo que não deve ser comunicado.
Termos uma aula de Administração Pública, como tivemos com o primeiro-ministro, a dizer ‘isto que nós fazemos de resolver problemas com os investidores externos é o normal do Governo’, é já um sintoma de como as coisas estão mal. Isso deveria ser clarificado antes e é defeito de quem, na política tradicional, não tem a imaginação suficiente para ver nestes 50 anos do 25 de Abril uma oportunidade para dar uma atualização geral na relação entre Estado e o cidadão no nosso país.
O problema mais específico da Madeira é, se quisermos, uma espécie de cristalização ou diversão exagerada de alguns problemas nacionais que temos. Não é novidade para ninguém, para quem acompanha a política madeirense, que há uma excessiva familiaridade entre o poder económico e o poder político e, basicamente, não há distinção entre um e o outro. Há uma captura do interesse público por interesses privados que é facilitada pelo facto de o sistema ter sido sempre o mesmo. Ter mudado de [Alberto João] Jardim para [Miguel] Albuquerque não mudou nada ao ‘jardinismo’ e mudar de Albuquerque para outra pessoa não mudará nada ao ‘albuquerquismo’, por assim dizer. Na Madeira há uma confluência de dinheiro fácil, o imobiliário do turismo de massas e do poder político que vem com esse dinheiro fácil através da captura de agentes políticos. É preciso fazer é uma verdadeira revalorização da Região Autónoma da Madeira, um investimento na diversificação da economia que não pode estar só presa ao turismo.
Uma vez que finalmente estas situações estão a ser investigadas, é preciso haver eleições na Madeira, pela mera aplicação de critérios que foi aplicada nos Açores, não por um caso judicial, mas por uma impossibilidade de governar e, também, por uma homogeneidade de critérios entre a demissão do primeiro-ministro António Costa, a queda do Governo, a dissolução do Parlamento, que deve ser aplicada à Assembleia legislativa da Região Autónoma da Madeira.
Com a possibilidade de haver novas eleições na Madeira, poderemos ter quatro idas às urnas a decorrer no país só este ano… É uma ‘mensagem’ de urgente mudança
RT: Não há nenhum Governo em território nacional que não esteja sob escrutínio e que não possa ser mudado. Essa é a mensagem final. Vamos puxar tudo para cima, melhorar a política portuguesa e dar às pessoas aquilo que pedem? Mesmo que não seja aquilo que as pessoas dizem nas redes sociais todos os dias, que é, em grande medida, um grito de alerta e uma expressão de desespero e de uma certa desorientação perante aquilo que se está a passar. Mas há quem veja esse desespero e ainda o acicate mais. Não podemos perder tempo com ‘Bolsonarices’ ou ‘Trumpices’, que significará que Portugal vai ficar mais 10 ou 20 anos atrasado. Portugal é um país que parece que está sempre a chegar ali ao desenvolvimento e depois dá dois passos para trás. Estamos sempre a chegar ao país que nós queremos, que é aquele que pode fixar os nossos jovens e temos potencial para isso. O Livre quer ser parte desse caminho. Não trazemos todas as soluções, mas apontamos um caminho onde as pessoas podem ser parte da própria solução.
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