Coube ao trio formado por Gaspar Varela (guitarra portuguesa), Sebastião Varela (guitarra elétrica) e Rafael Matos (bateria) — apoiados por uma dupla, Zé Cruz (trompete, teclados) e Tiago Martins (baixo) — dar o tiro de partida na 23.ª edição do Festival Músicas do Mundo (FMM), com um concerto, de acesso gratuito, no Largo Marquês de Pombal, em Porto Covo, no concelho de Sines (distrito de Setúbal), às 21h30.
As expectativas do grupo são “altas”, sobretudo de Sebastião, que já passou pelo festival “umas duas ou três vezes” e sabe que é frequentado por “malta muito fixe”.
A recordação de “um concerto incrível do Scúru Fitchádu” desperta memórias no irmão mais novo, Gaspar: “Eu não vim e a culpa é do meu irmão, que não me trouxe”.
Brincadeira à parte, não fogem a temas sérios, como a atuação da Polícia Municipal do Porto no centro comercial Stop, que, na terça-feira, selou uma centena de lojas “por falta de licenças de utilização”.
“É estranho ver governos e câmaras, autarquias, o que for, a porem de parte o que é a cultura de um país e, neste caso, de uma cidade. Um pilar incontornável da cultura do Porto. E quando falamos de cultura não estamos falar do fado e da sardinha assada, estamos a falar de quem protesta, de quem contesta”, atira Sebastião.
“Essa contracultura precisa de existir também. (…) O Stop é desses sítios que faz parte e é necessário. (…) É triste ver que é posto de parte com a facilidade com que é e com a falta de justificação”, critica.
Depois de propor locais alternativos para acolher os músicos, a Câmara do Porto admitiu o regresso dos despejados ao Stop, sob condição do cumprimento de medidas de segurança até ao final de licenciamento da obra no centro comercial.
A proposta da autarquia liderada por Rui Moreira foi recebida com cautela pelos músicos, que decidiram manter a manifestação agendada para segunda-feira, para “mostrar o quão importante o centro comercial é para a cultura local, nacional e internacional”.
Os Expresso Transatlântico recorrem à frase “Artists are here to disturb the peace”, de James Baldwin, e lembram que os artistas têm de estar unidos.
“Se há um descontentamento — e há, não vamos negar isso –, acho que o pessoal se devia unir todo e fazer força contra isso. Só assim é que se vão resolver as coisas, porque isto está a chegar a um ponto que é ridículo”, qualifica Gaspar.
“Sofremos todos indiretamente. Estamos a falar da nossa cultura, do que nós fazemos cá. É importante mostrar essa solidariedade. (…) Precisamos mesmo de estar todos, porque, se não estivermos todos, não vale a pena”, apela Sebastião, recusando a “lengalenga” dos artistas “coitadinhos”.
“É chato isso ainda ser conversa”, desabafa. Até porque “ninguém está a pedir mundos e fundos”, mas apenas o suficiente para “conseguir fazer as suas vidas” e o reconhecimento de que a arte é algo “bastante necessário” a uma sociedade.
“Está na altura de nos levarem mais a sério. Não estamos a pedir nada do outro mundo”, concorda Rafael.
Os três reconhecem que tiveram um acesso facilitado à cultura e sorte com a escola primária onde estudaram.
Ainda assim, Gaspar acha que é “muito pouco” o peso da cultura em muitas escolas. “Quando não há em casa, a escola tem de ter esse lado”, reclama.
Facilitar o acesso à cultura e à política passa por educação. “É preciso isto ser falado nas escolas, nas universidades, onde for. É preciso haver este ‘mindset’ [mentalidade] de que a cultura é uma coisa que faz parte e é tão necessária quanto tudo o resto”, defende Sebastião, apelando: “‘Bora’ não fechar os espaços culturais, ‘bora’ perceber que eles têm o valor que têm e ainda poderiam ter mais se os apoiássemos mais”.
Os irmãos Varela são frequentemente identificados como “bisnetos de Celeste Rodrigues” e acham isso “super fofo”. A bisavó fadista, irmã de Amália, é das pessoas que mais os inspirou, “sem ela própria ter noção de que o estava a fazer” e sem eles se aperceberem também.
“Faz parte daquilo que eu sou. Se não fosse ela, eu não estava aqui, de certeza, porque não tinha aprendido essas coisas todas que entretanto culminaram em Expresso”, admite Sebastião — e Gaspar concorda. “Temos sempre em conta o ADN que temos, mas não [queremos] fazer disso um rótulo”, sublinha, porém.
Os dois desvalorizam o peso da herança e garantem que não pensam “assim tanto” nisso. “Não é uma marca, é um ponto de partida”, realça Sebastião.
O segredo está na honestidade, dizem. “Reconhecer de onde é que vimos e tentar explorar para onde é que podemos ir e de que maneira é que podemos utilizar isso a nosso favor”, sublinha o mais velho dos irmãos.
“A cena que nos move é querer fazer uma cena nova e diferente”, destaca Sebastião, admitindo que “a rutura faz parte da evolução em qualquer tipo de cenário artístico”.
O grupo não desvenda muito sobre o novo álbum, que há de estar pronto em setembro. “Está lá a Barquinha, está lá a Bombália…”, brinca Gaspar, referindo os títulos de duas músicas já lançadas. “Sentimos uma diferença boa em relação ao EP [Expresso Transatlântico, de dezembro de 2021]. Acho que estamos a evoluir para um caminho que nos agrada muito”, sintetiza.
Rafael conta que foram “muito bem recebidos” no festival Colours of Ostrava, na República Checa, onde fizeram, há dias, a sua internacionalização.
“A primeira de muitas”, esperam.
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