O país prepara-se para ir a votos, a 10 de março, para pintar mais uma vez das mais variadas cores políticas o Parlamento português. Apesar de ainda faltarem mais de dois meses, os partidos, da Esquerda à Direita, já se preparam a todo o gás para a campanha eleitoral, apressando-se a apresentar propostas, medidas e soluções para o país, na sequência da queda do Governo que resultou da demissão do primeiro-ministro, António Costa, a 7 de novembro.
A Iniciativa Liberal (IL) não é exceção, e o seu líder, o bracarense Rui Rocha, mostra-se positivo sobre os eventuais resultados do partido, que em janeiro de 2022 conquistou oito lugares na Assembleia da República.
Falando sobre o “perigo” de uma nova ‘geringonça’ no poder, sobre a polémica com a saída da deputada liberal Carla Castro e sobre eventuais coligações pós-eleitorais, o líder liberal, cabeça de lista por Braga para as eleições de 10 de março de 2024, contou ao Notícias ao Minuto quais são as suas ambições e os seus pensamentos sobre o futuro do país, e do seu partido.
Já por várias vezes repetiu que não quer falar de coligações pré-eleitorais, portanto não lhe vou perguntar sobre isso…
Finalmente, alguém… [risos]
Mas tenho de perguntar… e num contexto pós-eleitoral, aceitaria coligar-se com o Partido Social-Democrata (PSD) para formar Governo?
Sim, é um cenário possível. Com a mesma certeza com que temos afirmado que não faremos coligações pré-eleitorais, temos também afirmado com a mesma convicção, com a mesma transparência, essa disponibilidade para negociar uma solução de futuro para Portugal, obviamente que alinhada com os objetivos e as propostas da IL. Mas, nesse aspeto, há uma grande vantagem. A IL é muito clara nas suas propostas, portanto é fácil perceber quais seriam os caminhos para um acordo pós-eleitoral.
Essa é uma mensagem fundamental para os portugueses, de confiança de que a IL, no seu momento certo, assumirá as suas responsabilidades.
A IL tem nas suas propostas mais ambição do que o PSD. Muitas vezes, estamos a falar de caminhos que vão no mesmo sentido, só que, com a IL, esse caminho é mais desafiador, há uma ambição maior
E quais seriam esses caminhos? Pontos comuns?
Genericamente, creio que é uma questão de ambição. Ou seja, a IL tem nas suas propostas mais ambição do que o PSD. Muitas vezes, estamos a falar de caminhos que vão no mesmo sentido, só que, com a IL, esse caminho é mais desafiador, há uma ambição maior. Por exemplo, na descida de impostos. Hoje, praticamente todos os partidos, incluindo o PSD, falam de descida de impostos. Com a IL numa solução de Governo, essa descida tem de ser mais ambiciosa.
A mesma coisa para outras matérias, como por exemplo, ainda há pouco tempo, discutimos o círculo de compensação do sistema eleitoral. O PSD não tem manifestado uma resistência a uma solução desta natureza, mas a verdade é que nós a propusemos e o PSD não a acompanhou. Portanto, uma solução de Governo em que a IL esteja tem certamente de dar passos concretos no sentido de uma maior representação eleitoral dos portugueses. O mesmo se diga para a Saúde, para a Educação, para a Habitação, para os temas fundamentais dos portugueses.
A nível de impostos, uma das medidas mais marcantes da IL, no início, ultimamente não se tem ouvido falar tanto, é o ‘flat tax’. É uma proposta que parece não ter muita popularidade junto dos restantes partidos, mesmo à Direita. O que é que está por trás disso?
Temos uma visão aspiracional relativamente aos impostos, que incorpora a nossa proposta de ‘flat tax’, mas percebemos, até num contexto em que pudéssemos estar a negociar um acordo de governação, que é uma proposta da IL. Portanto, se houver uma negociação, é normal que tenhamos uma abordagem menos ambiciosa. O PSD, como eu disse, quer baixar impostos, nós queremos baixar impostos, queremos baixar mais do que o PSD, que é bastante mais conservador. Há de haver ali um espaço onde nos podemos encontrar, que nem será o da nossa ambição total, nem será o de algum conservadorismo nessa ambição do PSD.
Qual seria, se é que existe, a linha vermelha para que a IL pudesse colocar de lado este eventual acordo à Direita com o PSD?
Não creio que faça sentido, nesse contexto, falar de linhas vermelhas. O que faz sentido é discutir mesmo os níveis de ambição, e isso tem que ver com o peso eleitoral de cada um dos partidos. Quanto mais votação a IL tiver, mais será possível transformar o país para algo mais próximo daquilo que é uma sociedade como nós a vemos, aberta, com liberdade de escolha, liberdade de expressão, em que os impostos são, de facto, mais baixos para que as pessoas e as empresas tenham capacidade para fazer as suas escolhas.
Portanto, não encontro nenhuma linha vermelha com o PSD daquelas que nos podem fazer soar as sirenes de alarme. O que encontro são esses níveis de ambição, que são diferentes. Nós, mais ambiciosos, e quanto mais votação tivermos mais conseguiremos puxar o PSD para essa ideia de transformação do país. Num eventual acordo pós-eleitoral, dou duas garantias aos portugueses: que estaremos disponíveis para o discutir com responsabilidade e que seremos a locomotiva de transformação do país num cenário dessa natureza.
Menos estaremos expostos a alguma deriva mais conservadora quanto mais peso eleitoral a IL tiver
Antevê-se aqui uma coligação que seria, no mínimo, curiosa: PSD, CDS e IL. Ou seja, conservadores e liberais na mesma ala de governação. Far-lhe-ia sentido? Não vê alguma incongruência
Temos de esperar, antes de mais, pela decisão que PSD e CDS tomarão. Há alguns sinais da existência de uma coligação.
[A entrevista a Rui Rocha foi feita na quinta-feira, 21 de dezembro, horas antes de PSD e CDS-PP anunciarem, oficialmente, que iriam concorrer em coligação às eleições de 10 de março]
Menos estaremos expostos a alguma deriva mais conservadora quanto mais peso eleitoral a IL tiver. É a garantia de que não haverá algum enviesamento no sentido conservador, que eu penso que seria indesejável na gestão política do país.
Não quero que mulheres sejam condenadas em Portugal porque abortaram dentro do contexto legal, cumprindo a lei. Não quero retrocessos nos direitos adquiridos, por exemplo, pelas mulheres
Como é que se poderia traduzir esse enviesamento, mais em concerto? Qual é o receio, nesse sentido?
Não estou a dizer que tenha, propriamente, receio. Sabemos que o peso eleitoral do CDS, nesta altura, é relativamente diminuto. Portanto, não creio que haja uma influência do CDS no programa. Há uma decisão que tem mais a ver com outros contextos do que propriamente com o valor eleitoral. Não estou propriamente preocupado com algum tipo de enviesamento, mas há algumas conquistas que foram feitas… Não quero que mulheres sejam condenadas em Portugal porque abortaram dentro do contexto legal, cumprindo a lei. Não quero retrocessos nos direitos adquiridos, por exemplo, pelas mulheres. Parece-me uma conquista óbvia.
Que um secretário-geral do PS esteja disposto a abrir a porta a radicalismos, já não por pragmatismo, como fez António Costa, mas por ter uma visão semelhante, isso incorpora um perigo para Portugal
Virando aqui mais à Esquerda, falemos de uma das figuras da atualidade, Pedro Nuno Santos. Chamou-lhe ‘estagiário político’, quase gozou com o seu lema, ‘Portugal inteiro’, disse que estaria na fila da frente na luta… temos aqui um confronto muito forte. Preferia José Luís Carneiro como líder do PS?
Não. Não há preferências nesta matéria. Não consigo olhar para os dois ex-candidatos, um deles agora eleito, e dizer ‘Ah, eu preferia esta visão, ou preferia aquela’. Acho que o país precisa, mesmo, de mudar, e precisaria de mudar da mesma maneira, fosse José Luís Carneiro ou Pedro Nuno Santos a ganhar. Parece-me, em todo o caso, e acho que é mais ou menos unânime, falando de derivas mas agora noutro sentido, que é mais provável que haja algum tipo de deriva com Pedro Nuno Santos para propostas políticas mais coladas àquilo que são propostas de partidos extremistas, como o Bloco de Esquerda ou o Partido Comunista Português.
Essa abertura que Pedro Nuno Santos tem, e de forma assumida, é uma abertura perigosa para o país. Porque há muitos dos problemas que temos na Saúde, na Habitação, nos rendimentos, na Educação, que decorrem muito dessa visão enviesada para extremismos de Esquerda. Portanto, que um secretário-geral do PS esteja disposto a abrir a porta a esses radicalismos, já não por pragmatismo, como fez António Costa, mas por ter uma visão semelhante, isso incorpora em si mesmo um perigo para Portugal.
Quando fala em radicalismos, pode-me dar um exemplo concerto?
Por exemplo, o pacote Mais Habitação, com arrendamentos forçados, congelamentos de rendas, extinção de atividades económicas porque foram estigmatizadas e não houve uma discussão racional… este é o problema.
Foi um dos casos em que a governação de António Costa esteve mais virada à Esquerda. Portanto, com facilidade Pedro Nuno Santos, Mariana Mortágua e Paulo Raimundo se reveem numa parte significativa do pacote Mais Habitação. Aliás, diria também a ministra da Habitação, que é alguém que esteve a acompanhar Pedro Nuno Santos e que a vimos a apoiá-lo. Aquilo que interpreto disso é que teríamos uma sucessão de ‘pacotes Mais Habitação’, com esse radicalismo incorporado, com agressão da propriedade privada, com a extinção de atividades económicas, potencialmente estendidos a outras áreas além da Habitação.
Mas esse pacote foi criticado pelo BE e pelo PCP…
Porque ficaram aquém, queriam ainda mais.
Para esta eleição, temos de ler o programa de Pedro Nuno Santos, temos de ler o programa de Mariana Mortágua ou o programa de Paulo Raimundo? No caso de esse bloco chegar ao poder, qual seria o programa executado?
Mas o pacote Mais Habitação já foi desenhado pós-geringonça…
É verdade, mas é uma evidência do que seriam medidas em que Pedro Nuno Santos teria facilidade em rever-se, eventualmente ainda mais agressivas, e que poderiam estender-se a outras áreas da economia. A minha pergunta é, agora para esta eleição, temos de ler o programa de Pedro Nuno Santos, temos de ler o programa de Mariana Mortágua ou o programa de Paulo Raimundo? No caso de esse bloco chegar ao poder, qual seria o programa executado? E eles difeririam tanto assim uns dos outros? É essa a minha pergunta.
À Esquerda não se pergunta, ao contrário do que se faz à Direita, sobre coligações pré-eleitorais
Está a avizinhar então uma segunda edição da ‘geringonça’, ou é algo que é, ainda assim, pouco provável?
À Esquerda não se pergunta, ao contrário do que se faz à Direita, sobre coligações pré-eleitorais.
Bom, tem-se falado do assunto…
Face àquilo que tenho respondido…
António Costa formou a geringonça por sobrevivência política, Pedro Nuno Santos vê na geringonça a realização da sua visão política
Não diria que é bem assim…
Parece-me evidente que os sinais já foram dados, de que, se houver uma maioria de Esquerda, haverá um entendimento fácil. António Costa formou a ‘geringonça’ por sobrevivência política, Pedro Nuno Santos vê na ‘geringonça’ a realização da sua visão política. Pedro Nuno Santos vai entusiasmado para uma ‘geringonça’.
Como é que a IL pretende fazer frente a esse entusiasmo? Acabaria por ser uma edição da geringonça, conforme o seu ponto de vista, mais entusiasmada.
Esse é um dos desafios que temos nestas eleições. Por um lado, dizer que o Governo tem de mudar, mas não pode mudar para ser igual, não pode mudar só para ser um pouquinho diferente, que é o que sucederia se tivéssemos um PSD sozinho, nem pode mudar para ser ainda mais à Esquerda. O país tem um conjunto de limitações, que decorrem de políticas e governos com determinada visão, que foi o que existiu nos últimos anos, e é preciso de facto ter uma iniciativa privada mais forte, uma economia mais pujante, trazer mais prosperidade para os portugueses, mais concorrência nas empresas para que os salários possam subir. Trazer mais oferta de habitação, melhor acesso à saúde, uma visão diferente para educação. Isso só se consegue, de facto, mudando o Governo, mas trazendo-o para o sítio certo. E é esse o nosso desafio.
Ter-me-ia demitido – e não precisaria de um parágrafo para isso – se, na residência oficial do primeiro-ministro tivessem sido encontrados 75.800 euros em numerário, escondidos em livros
Passemos para o tema da queda do Governo e da demissão de António Costa. Vestindo a pele de primeiro-ministro, sabendo o que se sabia no momento da demissão de António Costa, ter-se-ia demitido? Como é que teria agido?
Ter-me-ia demitido – e não precisaria de um parágrafo para isso – se, na residência oficial do primeiro-ministro tivessem sido encontrados 75.800 euros em numerário, escondidos em livros; se a pessoa a quem se imputa esse valor na residência oficial do primeiro-ministro tivesse sido uma escolha pessoal minha, depois de ter sido alertado, e houve muito quem alertasse, para as dúvidas sobre o perfil de Vítor Escária; e se aquele que eu reputava como meu melhor amigo e que estivesse envolvido em grandes negócios do Estado português tivesse também uma suspeita de tráfico de influências e estivesse acusado daquilo de que Lacerda Machado está acusado. Não precisaria de um parágrafo para chegar à conclusão de que era necessário.
Mas a questão da descoberta do dinheiro foi posterior ao anúncio da demissão…
É provável, mas o facto de ter Vítor Escária investigado e ter Lacerda Machado investigado, sendo eles escolhas pessoais, de amizade, no caso envolvido, nos negócios em que António Costa os envolveu, e tendo a escolha de Vítor Escária sido uma escolha minha, contra tudo e contra todos os avisos, mesmo sem saber dos 75 mil euros e mesmo que não tivesse havido o tal parágrafo, essa suspeita, que estava dentro da própria residência oficial do primeiro-ministro e do círculo restrito de pessoas de quem António Costa se rodeou, seria suficiente.
Certo, mas a minha questão é que no momento da demissão, o que havia era o parágrafo.
Não, havia já as suspeitas sobre Lacerda Machado e sobre Vítor Escária, e isso seria suficiente, ainda sem os 75 mil euros. Aliás, nessa manhã fui o primeiro líder político a falar e não sabia do parágrafo, mas sabia que Lacerda Machado e Vítor Escária estavam a ser investigados, e nessa altura disse que o primeiro-ministro não podia continuar em funções.
Não ouvi o sr. primeiro-ministro, nem vi o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, nem outros agentes do PS a estarem perturbados com a PGR quando tomou decisões de outra natureza que não afetavam o PS, isso é muito estranho
É da ‘equipa’ que considera que a Procuradoria-geral da República (PGR) foi, de alguma forma, culpada no meio disto? Foi injusta, foi um ‘golpe de Estado’, como já foi dito? Ou nem por isso?
Temos sempre de desconfiar quando as manifestações políticas dessa natureza só ocorrem quando atingem aquele de quem se queixa. Para já, a procuradora-geral da República foi uma escolha também pessoal do sr. primeiro-ministro, de alguma maneira. Depois há um processo que a leva à função, mas é uma escolha do primeiro-ministro. Não ouvi o sr. primeiro-ministro, nem vi o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, nem outros agentes do PS a estarem perturbados com a PGR quando tomou decisões de outra natureza que não afetavam o PS, isso é muito estranho.
Como qual? Sabe-me dar algum exemplo?
Todas as investigações que têm envolvido agentes do PSD… por muito culpados que possam ter sido, nós sabemos, há todo um conjunto de casos que envolvem os dois lados. Mas, se há um problema da PGR, teria de ser generalizado, não apenas quando há uma acusação a pessoas próximas do primeiro-ministro. Isso é inclinar o campo quando convém. Há pessoas do PSD investigadas. No processo Tutti Frutti, por exemplo, há pessoas de diferentes quadrantes. Aí não vi grande preocupação.
Se há problemas na PGR, certamente vêm de antes, não se criaram naquele dia e, quando atingem o PS é que há uma grande comoção. Já vimos isso noutros casos que atingiram o PS. Passamos anos no caso Sócrates com a narrativa de que era uma cabala
Mas também não houve nenhuma demissão… as escalas são diferentes.
Certo. Só digo é o seguinte: se há problemas na PGR, certamente vêm de antes, não se criaram naquele dia e, quando atingem o PS é que há uma grande comoção. Já vimos isso noutros casos que atingiram o PS. Passamos anos no caso Sócrates com a narrativa de que era uma cabala. A tese da cabala, ou a teoria da cabala, já a conhecemos e é uma teoria que vem sempre ao de cima quando o envolvimento está mais próximo do PS. De qualquer maneira, o que acho é que temos de preservar as instituições. Não digo que a PGR acerte sempre. O que não se pode é achar que nunca acerta quando há proximidade dos casos do PS. Só se gera esta teoria da cabala, que vai sendo repescada, quando os casos chamuscam o PS.
Falou da nomeação de Lucília Gago por vontade de António Costa. Acha que o Presidente da República, na altura, teve alguma influência nessa decisão? Foi um assunto discutido, na altura.
Creio que estamos a falar de um tempo em que havia uma grande proximidade entre o Sr. Presidente da República e o primeiro-ministro. Portanto, admito que, nessa altura, quando havia algum elevo na relação, que essas decisões fossem partilhadas.
E, agora, a bifurcação entre São Bento e Belém pode ter influenciado este caso?
Lá está, mas só houve quando chegou à porta do PS.
Passando à IL e às suas propostas. Aquela que tem sido mais publicitada ultimamente prende-se com a devolução do dinheiro dos bilhetes e dos passes em dias em que houver greves. Esse dinheiro vai vir de onde? Porque, a manter-se o ritmo das greves, vai ser preciso desembolsar algum dinheiro…
Antes de mais, já vi algumas acusações nesse sentido… isto não é uma proposta que tenha como alvo o direito à greve. O direito à greve é absolutamente legítimo. Nós defendemos o direito à greve como uma conquista dos trabalhadores e não questionamos, de todo, isso. Mas temos de comparar duas realidades.
Temos, de um lado, a Fertagus, por exemplo, e, do outro lado, a CP. A Fertagus não há de ser um serviço perfeito, mas é um serviço sobre o qual recebemos boa avaliação, as pessoas estão satisfeitas e não conheço grandes conflitos laborais na Fertagus. Conheço, até, a proposta de revisão salarial que foi feita da última vez, que é interessante para os trabalhadores.
Portanto, porque é que a Fertagus consegue prestar um bom serviço, consegue ter os seus trabalhadores mais satisfeitos do que a CP… e, só para dar o exemplo do que se passa nos comboios, porque é que a CP não consegue, nem ter os seus trabalhadores satisfeitos, nem prestar um bom serviço. Os atrasos são permanentes. Sou utente da CP para regressar e vir de Braga todas as semanas, quando posso, e sei bem o que é nunca saber a que horas chego, nem sequer sei a que horas parto… é um problema corrente na CP.
Uma medida desta natureza não tem por que trazer um custo acrescido, mas pode fazer uma coisa muito importante. Enquanto a CP for pública, ou a Transtejo for pública, o que pode é dar um grande incentivo à gestão da Transtejo e da CP a tornarem-se eficientes, para reduzir a conflitualidade laboral, porque sabem que um dia de greve tem um custo adicional. Portanto, a gestão passa a ter um incentivo adicional.
Enquanto a gestão for pública, certo?
Sim, porque temos uma visão muito clara. Mais uma vez, o exemplo da Fertagus, que é uma concessão. As pessoas parecem estar satisfeitas, funciona, os trabalhadores parecem estar satisfeitos, portanto porque é que havemos de manter esse princípio rígido de que a exploração deve ser pública, e não recorremos a possibilidades como a concessão… porque não gostamos de monopólios, detestamos monopólios. Onde não há concorrência, o caminho é a concessão, que pode trazer concorrência no momento do concurso, portanto antes da exploração.
Ou então a privatização, quando há concorrência. Mais uma vez, havendo concorrência, pode o serviço ser explorado por diferentes entidades, o que vai trazer vantagens. Veja-se o caso do que aconteceu no transporte rodoviário entre o Porto e Lisboa, por exemplo. Quanto é que se paga hoje nos operadores como a FlixBus, a Rede Expressos, que fazem serviços? Muito menos. Há dezenas de serviços diários, centenas mesmo, portanto as pessoas conseguem ter horários frequentes, um serviço adequado àquilo que é esse tipo de transporte e um preço mais baixo. Porque é que na ferrovia não podemos ter acesso à mesma coisa
Mas ainda não me respondeu à questão inicial, que é saber de onde virá o financiamento para essa medida
É o que lhe digo, a medida funciona como incentivo à gestão. Há muitas ineficiências na CP, há muitas ineficiências na gestão. Quando vemos, por exemplo, a gestão que não comprou baterias para os barcos, e que depois tinha os barcos mas não as baterias [caso da Transtejo]… há um conjunto de ineficiências que eu, se fosse gestor, dizia ‘Cada dia em que eu não prestar um serviço vai-me custar dinheiro, então tenho todo o incentivo para que o serviço exista’. Isso passa pela eficiência da gestão. E também quero os meus trabalhadores satisfeitos, porque um dia de greve custa muito dinheiro.
Algumas pessoas consideram que essa posição [proposta à deputada Carla Castro], que poderia ser o 5.º lugar, o 6.º ou o 7.º, são posições não elegíveis. Eu estou convencido de que a IL vai eleger o 5.º deputado, pode eleger o 6.º, e farei tudo para que eleja, também, o 7.º
Queria falar consigo do caso da deputada Carla Castro. Sentiu-se algum mal-estar por ter sido colocada em 7.º lugar, eventualmente na 5.ª posição, na lista de candidatos pelo círculo de Lisboa, num convite que decidiu não aceitar. Não tem receio de que isto possa ter sido visto como uma vingança, ou forma elegante de dizer que não quer contar com ela, tendo em conta que foram adversários internos há pouco tempo.
O que quer dizer é que houve uma proposta e um convite à deputada Carla Castro para integrar as listas da IL por Lisboa, e que a deputada Carla Castro, legitimamente, entendeu que não aceitaria uma posição abaixo do 4.º lugar nessas listas. As duas posições são legítimas. A posição de quem tem de fazer a lista e, portanto, tem de olhar para o conjunto dos candidatos possíveis e fazer uma graduação, em função de diferentes critérios; e a posição da deputada Carla Castro, que entendeu que abaixo do 4.º lugar não lhe interessava continuar.
Há só aí uma divergência fundamental. Algumas pessoas consideram que essa posição, que poderia ser o 5.º lugar, o 6.º ou o 7.º, são posições não elegíveis. Eu, pessoalmente, estou convencido de que a IL vai eleger o 5.º deputado, pode eleger o 6.º, e farei tudo para que eleja, também, o 7.º.
Bom, mas isso é uma visão… positiva. De quem espera um bom resultado eleitoral, mas também é preciso ser realista. Não acha que isso poderia ser interpretado de uma forma como não querendo tê-la no grupo parlamentar?
Não há mais realismo do que eu próprio ser cabeça de lista por Braga. É, portanto, sinal de que estou absolutamente confiante de que a IL vai ter muito bom resultado.
E em Braga pensa também que será escolhido um conterrâneo?
Eu sou cabeça de lista.
Sei, mas há mais candidatos pelo círculo de Braga, digo eu…
Ah, sim, mas provavelmente o 6.º por Lisboa entra antes do 2.º de Braga. O que quero dizer é que estou muito confiante num excelente resultado da IL.
Tem o desejo de ser líder parlamentar?
Não, acho que já tenho bastante com que me entreter. [risos]
Falamos de Lisboa, Braga, Leiria, Aveiro também teve um candidato liberal, mas que não conseguiu o lugar… são tudo centros urbanos, Litoral. Claramente, a IL tem uma maior preponderância no Litoral. O que é que falta para chegar ao Interior, a sítios menos industrializados?
Vamos ter propostas em que o Interior e o mundo rural se vão rever. Um primeiro passo foi dado com a questão do círculo de compensação, que, não sendo a solução para muitos problemas no Interior, nem sendo dirigido apenas ao Interior – é uma questão de representação geral do país – é uma proposta que os eleitores do Interior e do mundo rural vão perceber que também lhes diz respeito.
A IL foi o único partido que apresentou uma proposta com essa visão. O nosso programa eleitoral vai incorporar uma visão para o Interior baseada na importância da água, do setor primário, em princípios de descentralização, de facilitação da troca de terrenos… portanto, há uma visão de difusão de serviços públicos no Interior. Vamos apresentar um conjunto de propostas em que, com o círculo de compensação, vão interessar aos eleitores do Interior e vão permitir concluir que a IL tem propostas para todo o país e propostas muito fortes para o Interior. Espero que o Interior reconheça isso, trazendo também mais votos para a IL.
Esse círculo de compensação, para já, ficou na gaveta…
Fizemos o que pudemos. Nas primeiras declarações políticas que foram feitas nesta legislatura, logo ali em abril, o tema que trouxemos foi o círculo de compensação. Um compromisso claro da IL. Outros não acompanharam, mas isso não podemos… precisamos de mais força eleitoral também no Interior.
A presença do João enriquecia o Parlamento português. Neste caso, vai enriquecer o Parlamento Europeu mas, em contrapartida, as nossas listas têm agora caras novas que vão trazer também uma enorme qualidade ao Parlamento português
João Cotrim Figueiredo é cabeça de lista para as europeias, e não se prevê que faça parte do grupo parlamentar da IL, pois concorrerá pelo círculo eleitoral da Europa. Se for eleito para o Parlamento Europeu, vai ter saudades dele?
Pessoalmente, sim. O João é um grande deputado. Mas não creio que seja, sequer, uma questão pessoal. A presença do João enriquecia o Parlamento português. Neste caso, vai enriquecer o Parlamento Europeu mas, em contrapartida, as nossas listas têm agora caras novas que vão trazer também uma enorme qualidade ao Parlamento português.
Em janeiro, antes da eleição para líder da IL, disse que não vinha para “fazer cócegas”, mas sim para “mudar” Portugal. Já passou quase um ano, sente-se satisfeito com o seu trabalho?
Creio que a IL teve dois papéis muito importantes. Um papel de escrutínio da atuação do Governo. A comissão de inquérito à TAP foi, talvez, o ponto mais alto desse escrutínio, mas tivemos sempre uma posição muito exigente para com o Governo de António Costa. Por isso, creio que cumprimos isso de não “fazer cócegas”. Aquilo que se passou, por exemplo, na CPI à TAP não foram cócegas, seguramente, foi algo que abanou estruturalmente o Governo de António Costa e que trouxe à luz do dia um conjunto de péssimas práticas de gestão numa empresa como a TAP.
Se olharmos, depois, para o trabalho de apresentação de propostas, de soluções para o país… olhe, o círculo de compensação, o nosso programa para a habitação, o ‘Habitação Agora’, as nossas propostas em termos de descida de IRS, a nossa lei de bases da saúde. Aí, dei-lhe quatro exemplos de como propostas da IL, se tivessem sido aprovadas, transformariam o país para algo muito diferente e muito melhor.
Claro, mas é um ‘se’…
Precisamos de crescer eleitoralmente.
A minha pergunta ia mais por questões concretas. Que conquista destacaria do último ano?
Naquilo que me diz mais respeito, na gestão do partido, salientaria dois pontos fundamentais. Por um lado, proximidade. Corri o país todo, estive muito próximo, quer dos núcleos do partido, quer dos cidadãos. Fui conhecer o país todo, a realidade do país. Por exemplo, o círculo de compensação, as questões da água, da descentralização, quando as defendo com tanto entusiasmo é porque estive no país e constatei a importância dessas questões.
Depois, a segunda nota que destacaria na gestão do partido é esta capacidade de propor programas, medidas desafiantes em diversas áreas. A IL continua a ter como bandeira o crescimento económico, a descida de impostos, mas se falarmos de habitação, a IL tem um programa completo para a Habitação, se falarmos de Saúde, a IL tem uma lei de bases da Saúde e uma visão para a Saúde, se falarmos de sistema eleitoral, temos uma proposta ambiciosa para trazer representação aos portugueses. A capacidade de gerar impacto e trazer propostas foi reforçada, e a proximidade também.
É um crescimento exponencial em cinco anos de existência…
Sim, é um crescimento grande que esperamos continuar a ter agora em 2024.
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