A estreia no mercado editorial português de “um dos mais injustamente esquecidos autores brasileiros”, nas palavras da editora, acontece no dia 02 de fevereiro, na coleção de literatura de humor, dirigida por Ricardo Araújo Pereira.
“O púcaro búlgaro”, lançado em 1964, é o último romance de Campos de Carvalho e consiste, como toda a sua obra, numa celebração do caos da existência, dos absurdos da realidade e das hilariantes inconsistências do dia-a-dia.
Num depoimento dado ao escritor e jornalista José Conde, no ano da publicação deste livro, Campos de Carvalho tratou de esclarecer que a expedição à Bulgária de que trata esta sua novela “é na realidade uma expedição ao mais fundo de nós mesmos”.
Por isso, desaconselhava a sua leitura a pessoas “inteiramente superficiais” ou “vazias de todo”.
Admitindo que o livro pode “provocar algumas gargalhadas”, explica logo de seguida que é aquele tipo de gargalhada que “damos, por exemplo, diante de um espelho côncavo ou convexo, ao deparar com a nossa imagem verdadeira”.
A história passa-se no verão de 1958, durante uma visita ao Museu Histórico de Filadélfia, altura em que o narrador-personagem Hilário é confrontado com a existência de um púcaro búlgaro, apesar de todas as dúvidas sobre a existência da própria Bulgária.
Hilário sempre ouvira falar sobre púcaros e búlgaros, mas sempre achara que se tratava apenas de um jogo de palavras.
Para superar as dúvidas, compromete-se com a descoberta do país e com a escrita deste diário, reunindo um peculiar grupo de expedicionários.
O diário é precedido de um capítulo dedicado aos “prolegómenos”, que elucida os leitores: “Do que se passou e sobretudo do que não se passou nessa expedição já famosa é o relato que se vai ler em seguida, o mais pormenorizado e o mais honesto possível, embora tenha sido reduzido ao mínimo para que pudesse caber num só volume e mesmo num só século — o que afinal se conseguiu”.
Classificado como “mestre do surrealismo brasileiro”, Walter Campos de Carvalho já foi descrito como uma espécie de René Magritte da literatura, dono de uma prosa despida de lógica em prol da estética, como escreveu o jornal Estadão, a propósito da reedição no Brasil da sua obra completa.
O escritor Nelson de Oliveira, estudioso da obra de Campos de Carvalho, sobre a qual fez a tese de mestrado, contou, numa entrevista, citada pelo Estadão, que desde a primeira vez que o leu, ainda jovem, apaixonou-se imediatamente “pelo ‘nonsense’ alucinogénio do ficcionista mineiro”.
Para Nelson de Oliveira, a singularidade da obra de Campos de Carvalho está no seu “realismo delirante e dilacerante”, e na genealogia da sua escrita encontram-se os “mestres da suspeita” — Nietzsche, Freud –, os surrealistas — Breton, Max Ernst, Magritte –, além de Murilo Mendes, Jorge de Lima, Ismael Nery e Clarice Lispector.
No entanto, o autor de “O púcaro búlgaro” não deixou descendentes literários, considera Nelson de Oliveira, afirmando: “Até hoje não encontrei ninguém com uma voz semelhante. Não dá para imitar Campos de Carvalho, do mesmo modo que não dá para imitar Augusto dos Anjos e Guimarães Rosa. A imitação soaria ridícula.”
Walter Campos de Carvalho nasceu em Uberaba, no interior do estado de Minas Gerais, Brasil, a 01 de novembro de 1916.
Licenciou-se na Faculdade de Direito, em São Paulo, em 1938, e entrou depois para a Procuradoria-Geral do Estado, onde trabalhou até se reformar, aos 53 anos.
O rompimento com a tradição religiosa familiar católica, ainda aos 16 anos, foi um facto marcante na vida de Campos de Carvalho. O ateísmo e a aversão aos dogmas e às doutrinas das religiões acompanharam-no desde cedo e foram motivos constantes na sua obra.
Também as mortes de dois irmãos mais velhos lhe causaram um profundo impacto: Geraldo, em 1936, e Jonas, em 1952.
Em 1963, numa entrevista ao antigo jornal oposicionista brasileiro Correio da Manhã, Campos de Carvalho atribuiu a amargura de “A chuva imóvel” ao desaparecimento de um dos irmãos, que se acredita ser Jonas, a cuja memória dedicou “Tribo”.
No início dos anos 1950, estabeleceu-se com a família no Rio de Janeiro, voltando a São Paulo apenas no final dos anos 1980.
Ao longo da vida, colaborou com vários jornais: A Plebe, Lavoura & Comércio, O Pasquim.
Publicou o primeiro livro, “Banda forra”, em 1941, a que se seguiram “Tribo” (1954), “A lua vem da Ásia” (1956), “Vaca de nariz subtil” (1961), “A chuva imóvel” (1963) e “O púcaro búlgaro”, o seu livro preferido.
Campos de Carvalho, que se reconhecia como escritor somente nas quatro novelas — como preferia chamar-lhes, em vez de romances – que publicou entre 1956 e 1964, morreu em São Paulo, no dia 10 de abril de 1998, aos 81 anos.
Leia Também: Carminho apresenta novo álbum em novembro nos Coliseus de Lisboa e Porto