A grande quantidade de descolagens de foguetões nos últimos anos teve como objetivo não só levar para o Espaço novas missões com astronautas, mas também lançar satélites. Iniciativas como as da SpaceX com a rede de satélites Starlink fizeram com que o número destes objetos na órbita mais baixa da Terra aumentasse a olhos vistos.
Esta realidade cria várias questões para o futuro e todas têm como ponto de partida o problema de ter um ‘tráfego espacial’, aparentemente, desgovernado. Além do eventual risco para futuras missões espaciais, com os satélites e detritos a constituírem potenciais perigos de colisões, há também o ponto de vista ambiental – na medida que a atmosfera da Terra corre o risco de se transformar num ‘cemitério’ de satélites desativados.
É neste ponto que surge a LeoLabs. Esta empresa fundada em 2015 em Menlo Park na Califórnia, EUA, tem como objetivo construir radares capazes de detetar estes satélites. A recolha desta informação e a capacidade de conseguir localizar objetos em baixa órbita dá a LeoLabs a capacidade de colaborar com agências espaciais, empresas privadas, reguladores e governos para articular soluções para o futuro.
Foi a propósito da inauguração do primeiro destes radares na Europa – localizado na ilha de Santa Maria, nos Açores – que o Notícias ao Minuto teve a possiblidade de sentar com o cofundador e CEO da LeoLabs, Daniel Ceperley, para conhecer a plataforma da empresa e também a sua missão para o futuro.
Pode ler abaixo a entrevista na íntegra.
© LeoLabs
Poderia começar por definir o que entende como sendo um objeto de baixa órbita (low earth orbit, em inglês)?
Boa questão! A baixa órbita é a porção mais próxima da superfície da Terra. Muitas pessoas definem-na como tendo entre 100 e até 2 mil quilómetros de altitude. Esta é a região do Espaço onde está a acontecer toda a disrupção empresarial, todos os milhares de satélites, onde estão todos os astronautas… É a parte que está a ter o grande impacto económico aqui na superfície da Terra.
Há outras porções do Espaço, como um cinturão geossíncrono que é mais afastado onde estão alguns satélites de transmissão televisiva, mas não há mudanças de negócio. É muito estável e tem os mesmos números de satélites.
Mas este tipo de objetos é feito por seres humanos ou é proveniente do Espaço? Qual é a percentagem dos objetos de baixa órbita produzidos por humanos?
Quase todos são feitos por humanos. Muito perto dos 100%. Como pode ver na nossa plataforma, cada um destes objetos verdes, amarelos e vermelhos é um satélite. Estamos a rastrear cerca de 200 mil satélites neste momento e 7 mil deles são satélites úteis. Esse número cresceu muito ao longo dos últimos anos. Em 2019 havia apenas 800 satélites úteis em baixa órbita, agora há 7 mil e até ao final do ano esse número deve estar nos 10 mil.
Isso significa que o número de satélites úteis em tráfego em baixa órbita cresceu 10 vezes em menos de cinco anos. É um crescimento dramático. Antigamente um foguetão carregava apenas um satélite, talvez dois ou três, e agora os foguetões estão a levar 100 ou mais. Em parte este é o grande motivo pelo qual estamos aqui, porque torna-se difícil encontrar um satélite depois deste ser lançado no Espaço. É, na verdade, um dos problemas que resolvemos.
O nosso sistema também consegue detetar antigos foguetões desativados que levaram satélites para o Espaço e foram lá deixados. São puro lixo. Temos 13 mil pedaços de lixo e 7 mil satélites úteis.
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Estes restos de foguetões não são eventualmente atraídos pela gravidade da Terra Qual é a percentagem anual de destroços que fazem reentrada na atmosfera terrestre?
Excelente questão. Alguns deles, se estiverem numa altitude muito baixa, descem até à Terra muito rapidamente em alguns meses ou até poucos anos. Mas alguns deles, em altitudes mais elevadas, ficarão lá em cima durante anos, décadas ou até séculos, e parte do problema é que a porção mais popular da baixa órbita da Terra é a mais baixa – entre os 400 e os 600 quilómetros de altitude – que é onde os astronautas operam e onde estão muitos dos satélites de imagem de baixo custo.
É também onde operam várias constelações de satélites de Internet (como a Starlink) e onde há vários destroços, porque se colocamos os destroços nesta região a atmosfera vai puxá-los dentro de 25 anos.
No passado, a regra para as agências espaciais era que deixassem os seus destroços para que pudessem ser puxados dentro de 25 anos, mas isso significa que as pessoas têm ‘estacionado’ estes destroços nesta região do Espaço.
A Estação Espacial Internacional é nessa região do Espaço?
É sim. Em parte, se estivermos mais abaixo, os foguetões podem carregar mais carga e podem levar mais coisas. Também é uma região protegida da radiação, porque o campo magnético da Terra a protege. Se fôssemos para altitudes mais elevadas os satélites e os astronautas seriam bombardeados com radiação.
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O que fazem então os radares da LeoLabs?
Como se pode ver na nossa plataforma, conseguimos ver a distância a que o radar dos Açores consegue detetar satélites e destroços e as porções do Espaço que estão a ser estudados. Sempre que um satélite ou um destroço voa por esta região, os radares podem fazer uma verificação. Têm cerca de duas oportunidades por dia para fazer uma verificação de cada satélite ou pedaço de destroços. E os outros radares também, temos alguns nos EUA, na Costa Rica e mais alguns no Hemisfério Sul.
O que estes radares estão a fazer é detetar centenas de satélites a voarem por cima de nós a todas as horas do dia. Estão a verificar e o que fazem é uma previsão da trajetória e dizem a outros radares quando podem verificar esses mesmos satélites. Se é um novo satélite, às vezes usamos estes radares para fazerem um primeiro contacto de forma a que os responsáveis possam saber onde estão para estabelecer comunicação.
Se estamos à procura de uma potencial colisão, estes radares podem verificar um satélite ou destroço específico e prever melhor a probabilidade dessa potencial colisão. Os radares dos Açores fazem a cobertura de uma região muito importante – a do Atlântico – que vai desde o nordeste de África até à América do Norte. Basicamente, satélites que sejam lançados podem passar primeiro por estes radares ou estes radares podem ser a última oportunidade para fazer uma verificação de forma a evitar uma colisão.
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Porque escolheram a ilha de Santa Maria nos Açores?
A localização é certamente importante para cobrir as longitudes do Atlântico, mas para nós é muito importante encontrarmos as organizações certas para trabalharmos. Em Santa Maria temos a Thales Edisoft, que está envolvida com a indústria espacial há imensos anos, assim como o Governo Regional dos Açores e também o próprio Governo de Portugal, que têm sido muito prestáveis para garantir que o projeto prossegue de forma suave.
Financiamos por inteiro os radares que construímos. Foi 100% financiado por nós, mas o tipo de parceria que procuramos é ajuda a identificar onde os radares devem ser construídos, perceber o tipo de licenças de que precisamos e encontrar as empresas de construção certas.
A razão pela qual estamos aqui é porque conseguimos construir rapidamente os radares. Construímos o radar dos Açores – do tamanho de um campo de futebol e com cerca de seis metros de altura – em menos de um ano. Em menos de um ano, fomos de colocar a primeira pedra até ativar o radar e observar satélites. E é difícil fazer isso.
Antes de nós, as únicas pessoas que construíram radares eram departamentos de defesa e agências espaciais e demoravam muito mais a fazê-lo – cerca de uma década e alguns milhares de milhões de dólares. Caminhámos muito em sete anos. Este é o nosso sexto radar e temos o sétimo a caminho. Revolucionámos o modelo de construção destes radares e fomos capazes de fazer isso porque temos 25 anos de experiência na área.
Alguns dos meus cofundadores trabalharam na Fundação Nacional de Ciência dos EUA durante 25 anos para construírem radares de forma a estudarem as auroras boreais, para desenvolverem tecnologia completamente remota, autónoma e que funcionasse durante 24 horas. Esta é a tecnologia que acabámos por usar, porque acontece que esse design de radar também é capaz de detetar satélites muito bem.
Para eles, os dados de satélites era ‘ruído’, por isso criaram software que consegue remover todos esses dados. Mas o ‘lixo’ deles era, na verdade, o nosso ‘tesouro’ e é o motivo que nos permitiu crescer tão rapidamente.
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Mencionou que estão a construir um novo radar…
Sim, estamos a construir um no sul da Argentina. O nosso objetivo sempre foi ter entre seis a sete radares, por isso estou muito contente por termos atingido esse objetivo com este radar dos Açores.
Mas a indústria espacial continua a expandir-se, por isso planeamos continuar a construir e provavelmente ultrapassaremos os 20 radares em todo o mundo. É o crescimento rápido que está a impulsionar tudo isto.
É como o controlo de tráfego aéreo – no começo dos aviões, não havia controlo de tráfego aéreo. Pelo menos nos EUA houve um grande acidente aéreo e por causa disso fundaram a Administração Federal de Aviação, que implementou processos para organizar todos os aviões no espaço aéreo.
O Espaço vai pelo mesmo caminho e, como podemos ver, estamos completamente desorganizados. Mas o mundo está a encaminhar-se para uma melhor organização do Espaço e penso que conseguimos colocar muitos mais satélites em segurança no Espaço.
Uma das vossas missões é permitir que as empresas espaciais possam acompanhar os seus equipamentos. E no que diz respeito à limpeza destes detritos que estamos a ver na vossa plataforma
Sim, na verdade isso é muito importante. Na Europa essa iniciativa de limpeza está a começar e no Japão também há uma empresa a fazer a mesma coisa. Nos EUA estamos um pouco atrasados [risos], mas o nosso governo está a pensar em começar a fazer alguma coisa.
No que diz respeito a destroços espaciais, há três coisas que se podem fazer. A primeira é não criar destroços, o que se pode conseguir com melhor construção de satélites ou garantir que, no final da vida, o satélite consegue reentrar com sucesso na atmosfera. A segunda é manobrar o satélite para evitar colisões e o nosso sistema alerta as empresas espaciais para o fazerem.
Por fim, há a limpeza de destroços e, neste ponto, ainda estamos no começo e na LeoLabs podemos desempenhar um papel importante nessa área. Esperamos que estas empresas de limpeza de destroços espaciais possam olhar para os nossos dados, que são capazes de dizer quais são os destroços mais perigosos e prováveis de causar uma colisão.
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Enquanto empresa, como é que a LeoLabs é financiada
Já usámos investimento de empresas de capital de risco para construir os nossos radares e desenvolver a empresa. Mas, no que diz respeito a empresas, temos quatro categorias de clientes: os donos dos satélites, organizações de defesa que não querem ser surpreendidas, as agências espaciais e reguladores que analisem os dados e dão licenças de operação, e também as agências de segurança.
Vendemos um serviço de subscrição, que permite (por exemplo) aos donos de satélites receberem alertas caso o equipamento deles esteja em rota de colisão com outro satélite ou destroço. No caso dos reguladores, por exemplo na Nova Zelândia, usam o nosso serviço para vigiar todos os satélites que lançaram anteriormente de forma a protegerem o ambiente e a limpeza da baixa órbita. Surpreendentemente, é o único regulador de um país que trabalha connosco.
Todos os outros aprovam as licenças, lançam os satélites e esquecem-se deles. Acreditamos que isso, eventualmente, criará um problema e algumas surpresas para os reguladores porque, no que diz respeito à forma como os tratados internacionais estão escritos, os países são responsáveis por danos e destroços no Espaço. Por isso, os reguladores poderão estar a causar alguns problemas futuros para os governos dos países.
É uma confusão, não é?
Absolutamente. Mas não tem de ser, é por isso que estamos cá!
Estão agora a terminar o sétimo radar e este é o primeiro na Europa da LeoLabs. Quantos mais vão construir neste continente?
Queremos certamente construir mais alguns [risos], ainda não estamos prontos para dizer quantos. Mas é um grande feito para nós, que queremos ajudar os governos da Europa a expandir a sua posição no Espaço e permitir que continuem a seguir o progresso dos seus satélites.
Sobre Portugal em particular, estão a trabalhar de perto com as instituições nacionais?
Estamos neste momento a inaugurar o radar propriamente dito, é o que estamos a celebrar agora. Temos dois grupos separados na LeoLabs: um que constrói os radares e os equipamentos e outro que lida diretamente com os clientes…
Portugal é um dos vossos clientes?
Não temos anúncios sobre isso! Mas diria que, de forma abrangente, temos muito interesse na Europa, de muitos governos diferentes – que estão neste momento a desenvolver as respetivas indústrias espaciais e presença no Espaço.
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