“Não nos revemos na crítica de que a Casa da Música (CdM) não cumpre a missão de casa de todas as músicas. A Casa da Música, dos 343 concertos que fez [em 2022], 99 foram de música erudita e 144 de música não-erudita. Se tirar os cerca de 30 concertos que são no Café da Casa da Música, fica igualzinho o número de concertos de música erudita e não-erudita. Portanto, essa mensagem que se quer passar não é verdadeira”, afirmou Rui Amorim de Sousa, numa audição na comissão parlamentar de Cultura, em Lisboa.
O conselho de administração da CdM foi chamado ao parlamento para prestar esclarecimentos sobre um “conjunto de problemas” naquele equipamento cultural, após aprovação, por unanimidade, em outubro do ano passado, de um requerimento do Bloco de Esquerda (BE), que previa também a audição do ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, sobre o mesmo tema.
Sobre a programação musical da CdM, Rui Amorim de Sousa, sublinhou que aquele equipamento cultural “não tem propriamente uma missão de fazer música não-erudita dita não-comercial”.
“A música não-erudita essencialmente comercial vai concorrer com empresas e organizações cujo modo de vida são esses programas. A CdM tem aí uma dicotomia que tem de ter cuidado”, disse.
Rui Amorim de Sousa acrescentou ainda que “muito deste mundo da música não-erudita hoje é feito por operadores, agentes que conduzem esses artistas em circuitos, digressões, em que a Casa da Música não entra de ‘per se'”.
O presidente do conselho de administração partilhou com os deputados dados de concertos para sustentar as afirmações: “A CdM, em 2022, ano que ainda sofreu com a pandemia, fez 243 concertos, frequentados por 127 mil espectadores: destes, 99 foram de música erudita e 144 de pop, rock, world music e jazz. Na música erudita temos 53 mil espectadores e na música dita não-erudita 74 mil espectadores”.
A juntar a isto, há ainda “sete concertos fora da Casa [da Música], que foram frequentados por 33 mil espectadores”.
“A CdM proporcionou música a 160 mil espectadores em 2022”, salientou, realçando ainda o trabalho do Serviço Educativo, “que com 17 câmaras municipais fez programas de inserção social de comunidades, levados a auditórios locais”.
O requerimento do BE para a audição de hoje foi interposto após a divulgação de dados que apontavam “para a violação, por parte da Fundação CdM, do Código de Contratos Públicos e do Estatuto do Mecenato ao alegadamente oferecer benefícios comerciais aos seus mecenas”. Acusação que aquela entidade rejeitou na altura e hoje.
Por isso, os deputados pediram hoje esclarecimentos sobre a denúncia, na qual a CdM era acusada de violar o Código de Contratos Públicos e o Estatuto do Mecenato ao oferecer supostos benefícios comerciais aos seus mecenas. A informação foi enviada, em 2021, ao Tribunal de Contas, à Inspeção-Geral de Finanças, ao Ministério Público e à Polícia Judiciária.
Na altura, a Fundação CdM deu conta de ter sido “notificada da denúncia, para efeitos de pronúncia, pelo Tribunal de Contas, no final do ano de 2021, e reportada a factos pretensamente ocorridos no período 2009-2021”.
Sobre esta denúncia, Rui Amorim de Sousa lembrou hoje aos deputados que “o conselho de administração contestou em sede própria, junto do Tribunal de Contas”.
“É assim que esse processo está. Evidentemente que se contestou é porque considerou que tinha argumentos robustos de contestação. E contestou no que diz respeito às práticas do código de contratação pública e relativamente à insinuação de benefícios cruzados entre mecenas, proveitos de mecenato, confusão entre mecenato e patrocínio”, disse.
No início da audição, Rui Amorim de Sousa recordou que o código de contratação pública entrou em vigor em 2008 e a CdM foi fundada dois anos antes, tendo herdado uma série de contratos da Porto 2001 — Capital Europeia da Cultura.
De acordo com o atual presidente do conselho de administração, na altura em que o código de contratação pública entrou em vigor foram pedidos pareceres jurídicos, que estabeleceram que a CdM “não tinha vínculo ao processo de contratação pública, por ser uma instituição do direito privado”.
Ainda assim, salientou, “o conselho de administração, na sequência desse processo, entendeu que deveria adotar práticas de contratação pública sempre que possível, numa lógica voluntária”.
Rui Amorim de Sousa referiu ainda que “em 2016 a Inspeção-Geral das Finanças, na sequência de uma inspeção, fez uma recomendação à CdM para que adotasse práticas de contratação pública”, tendo havido depois disso “uma deliberação para estender essas práticas” naquela entidade.
“Em 2016, momento da inspeção, a CdM fez 60 procedimentos de contratação pública, correspondentes a 1,1 milhões de euros. Em 2022, fez 217 procedimentos contratuais, de 5,2 milhões de euros”, destacou, sublinhando que “a CdM se tem aproximado cada vez mais da contratação pública”.
As questões laborais foram também abordadas na audição, com o PCP a acusar a Casa da Música de “recorrer a ‘recibos verdes’ para colmatar necessidades permanentes”, acusação que o presidente do Conselho de Administração da CdM rejeitou.
Rui Amorim de Sousa referiu que, atualmente, a CdM tem “203 trabalhadores, dos quais seis contratados a prazo”. Destes seis, “três são músicos e três da equipa da restauração, um dos quais em substituição por baixa médica”.
Além disso, aquele equipamento tem ainda “dois grupos específicos” de trabalhadores: assistentes de sala e de apoio técnico.
“Três assistentes de sala do quadro lideram uma equipa rotativa de 30 a 45 pessoas que prestam pontualmente serviços, e dezenas de técnicos são chamados para sobrecarga de serviços e horários pontuais”, disse, sublinhando tratar-se de “um modelo que se ajusta às necessidades da CdM”.
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