Aos 44 anos, César Mourão deixou finalmente “a inconsciência” falar mais alto e, num “ato de loucura”, ganhou coragem para criar um álbum e lançar-se numa tour pelo país.
‘Talvez Não Seja Nada’, ou quem sabe a música fique na história de um artista multifacetado que, desta vez, sem humor ou improviso encontrou uma nova forma de contar as suas histórias.
A faltar muito pouco para o primeiro espetáculo, assumidamente a sentir-se “uma criança na piscina dos adultos” e com os nervos a aumentarem, César Mourão conversou com o Notícias ao Minuto sobre a paixão antiga que nasceu com uma guitarra oferecida pela avó no Natal e que agora o leva ao palco do Campo Pequeno.
César, o que mudou para que a música passasse a ser uma aposta levada a sério?
Na verdade não mudou rigorosamente nada. A música sempre esteve dentro dos meus projetos, mesmo que sub-repticiamente, os espetáculos dos Commedia à la Carte terminem com um momento musical improvisado, tenho uma banda em palco que toca ao vivo. Sempre tive um gosto pela música e ela sempre esteve presente. Mudou, talvez, a minha coragem. Nem diria coragem, podemos substituir por inconsciência, de subir a um palco com letras e músicas minhas, assumindo um disco meu. Acho que essa inconsciência vem com a idade, com a idade começamos a ser mais inconscientes e também a beneficiar dessa loucura. Podemos chamar-lhe um ato de loucura.
Não me considero músico, e eles disseram: se tens esse respeito, e se vais fazer com rigor, nada te impede de teres um discoRecordo-me de no passado ter referido em entrevistas que, apesar da paixão pela música, não sentia a confiança suficiente para avançar.
Sim, é verdade, porque tenho muito respeito por quem é músico e instrumentista. Mas o programa ‘Terra Nossa’ fez com que tivesse de fazer para cada programa uma música e, algumas delas, entre amigos, bandas, descobrimos que poderiam ter algum interesse. Depois a essas juntei mais três ou quatro, que não estão ligadas ao programa, e de repente tínhamos um álbum nas mãos e aí vem a inconsciência e a loucura de dizer: por que não fazer um álbum? Há tantos que escrevem livros, a minha forma de comunicar não foi em livro, ainda, mas foi através da música.
Mas existiram também umas palavras mágicas do Miguel Araújo e do António Zambujo que o convenceram, não foi?
Não acho que tenham sido mágicas. Obviamente, estando próximo deles, nós passamos férias juntos, o meu olhar sobre a música com eles fez com que ambicionasse mais. Somos influenciados e bem influenciados por amigos. Vê-los tocar e estarmos tantas vezes a tocar juntos, no verão e assim, aguçou-me esse apetite. Depois, eles foram-me perguntando por que razão é que eu não o fazia e eu tinha o mesmo discurso que ainda mantenho até hoje, que é o respeito que tenho pelos músicos. Não me considero músico, e eles disseram: se tens esse respeito, e se vais fazer com rigor, nada te impede de teres um disco, de ires para a frente com isso. Fui ganhando essa coragem e fiz.
O desejo de subir a um palco começa com a música e não com a representaçãoA música surge como uma consequência natural da representação e do que foi fazendo enquanto artista ou era já uma paixão antiga
Começa antes da representação. Era miúdo e lembro-me de dançar aos fins de semana com a minha mãe em casa e com a minha irmã, dos discos de vinil que os meus pais tinham, e eram bastantes, esse meu gosto pela música começa aí. Depois, a minha avó oferece-me uma guitarra no Natal, era muito miúdo, e comecei a aprender sozinho a tocar.
O desejo de subir a um palco começa com a música e não com a representação. Nunca explorei o lado musical e instrumentista de querer aprender e na representação, sim, formei-me. A representação ganhou nesse aspeto… Mas sempre tive esse desejo oculto.
‘Talvez Não Seja Nada’ é o título de uma das canções do próprio álbum e da tour que começa já este sábado, dia 15 de abril, no Campo Pequeno. O que tem este tema de tão especial?
As coisas às vezes são um bocadinho sem querer. Essa canção nem sequer ia entrar no álbum. No dia em que vou ensaiar outro tema, a ‘Balada dos Meus Avós’, uma colaboradora minha, a Rosa, disse-me que não estava nos dias dela, estava meio de trombas. Passado umas horas voltou a falar comigo e disse-me: ‘já sei o que tenho, afinal não é nada. Como está de chuva, fico com a neura’. E eu disse: olha, também tenho isto, muita gente tem isto. Então, enquanto esperava pelo Guilha [Marinho], meu diretor musical, fiz essa música. Quando ele chegou, partilhei e ele disse: ‘isso tem de entrar no álbum, é gira’. Mas eu nem tinha refrão, e expliquei-lhe que queria qualquer coisa do género: pá pá pá pá pá pá pá. Aí o Bruno, que também trabalha comigo, disse que podia ficar assim.
Foi meio sem querer, ela não tem nada de especial e tem tudo de especial porque não ia entrar. Depois como já fazia parte da letra o ‘talvez não seja nada está só a chover’, e como há todas estas perguntas de, então, mas não és ator, agora és músico? Achei que ‘Talvez Não Seja Nada’ era o nome indicado porque é no sentido de as pessoas não se preocuparem muito com isso. Não queiram perceber se é isto ou aquilo, talvez não seja nada, é um álbum, como se fosse um livro. Pode haver um segundo livro ou não, não sabemos.
O álbum já foi lançado há uns dias e já permite perceber que, afinal, pode ser muito, tendo em conta o sucesso que está a fazer.
Sim, fico contente com isso. Não sei mensurar o que é um grande sucesso ou não, porque não tenho isso como foco, objetivo e preocupação, mas fico contente. O feedback tem sido realmente muito positivo, e o Campo Pequeno vai provar se realmente as músicas pegaram ou não. Mas há tantos sucessos que existem na música passados 10, 15, 20 anos. Uma música, por vezes, anda ali perdida e depois de repente é um sucesso passados tantos anos. Não tenho essa preocupação. Fiz as músicas com o objetivo de as pessoas ouvirem e partilhar algumas histórias que fui vendo na vida, mas se tiver sucesso obviamente que agradeço e ainda bem.
Será que atinjo o mesmo patamar na música que consegui na representação? Acho que não, não atinjoNo que toca à representação o sucesso é fácil de medir, tendo em conta a notoriedade que os largos anos de carreira lhe trouxeram. Essa notoriedade na representação, o humor e o improviso fazem com que a fasquia fique mais elevada quando se lança um projeto numa área diferente?
Tem prós e contras o facto de as pessoas gostarem do meu trabalho enquanto ator e improvisador. Obviamente que alavanca qualquer projeto que traga comigo, muita gente que vai ver-me ao Campo Pequeno, se calhar, nunca ouviu uma música, mas vai porque sou eu e porque gosta de mim. Isso tenho de agradecer, essa alavanca ajuda bastante. Por outro lado, também dificulta. Será que eu atinjo o mesmo patamar? Acho que não, não atinjo, pelo menos esse não é o meu foco. Para isso teria de me dedicar muito mais à música, parar para pensar o que ia fazer na minha carreira em relação a isso, mas não é uma preocupação atualmente. A minha preocupação e o meu foco continua na representação. É ali que quero estar, mas isto não deixa de ser uma forma de comunicar.
Não há só uma forma de comunicar para um artista, na minha opinião. Há uns que pintam muito bem, o Dino d’Santiago, por exemplo, desenha e pinta muitíssimo bem e não colocamos em causa se é pintor ou deixa de ser. Um artista pode cantar, escrever um livro… Ele escreve muito bem, fala muito bem, canta muito bem e pinta: é um artista. Na mesma medida, eu posso fazer Commedia à la Carte, que é puro improviso em palco, como posso fazer a ‘Esperança’, que é uma série de televisão, como posso escrever o ‘Santiago’, que acabei agora de escrever, uma série de oito episódios sobre um serial killer, que não tem nada a ver com humor. É mais uma vertente, uma forma de comunicar com o público dando a minha visão, só que através da música.
Nem eu sinto que possa ser uma ameaça para o mundo da música, de jeito nenhumE o que é a que forma de comunicar do César traz de diferente ao panorama musical?
É muito difícil ser diferente. Claro que todos queremos ser diferentes, mas é muito difícil já fazê-lo. Acho que a minha única diferença talvez esteja no ângulo das histórias. Dou muita importância à letra nas minhas canções, elas falam sobre factos verídicos, são pessoas que existem mesmo, pessoas que vi, e todas têm um ângulo humorístico e uma forma de contar as histórias. Talvez mais na forma do que no conteúdo, eu seja diferente. Busco todos os dias ser diferente, mas não é uma preocupação que me invade.
O feedback do público tem sido bom, mas e no meio artístico musical: quais têm sido as reações a este projeto?
Tenho sentido alguma surpresa, por um lado, mas muito respeito por outro. Tenho-me cruzado com muitos colegas da música – quando digo colegas não digo que são músicos como eu, digo que são artistas – que me dão muita força, que percebem, porque não se sentem ameaçados, obviamente, nem eu sinto que possa ser uma ameaça para o mundo da música, de jeito nenhum. Claro que posso ocupar um teatro e fazer um espetáculo de música, mas também iria ocupar no mesmo dia se fosse com humor. As pessoas não deixam de ir ver nenhum colega meu porque me vão ver a mim, não é verdade. Todos aqueles com quem me tenho cruzado, ou mentem muito bem ou têm-me dado bastante apoio. Tem sido positivo.
Além de dar voz aos temas, muitos deles são escritos e compostos por si.
São todos. O único que não é o ‘Alice’, que tem letra e música do Miguel Araújo. Foi feito para um filme que fiz, ‘A Canção de Lisboa’, e depois ele acabou por oferecer-me o tema. Tudo o resto foi escrito e composto por mim .
O ‘Terra Nossa’ era um programa que não ia aceitar, fui meio empurrado…O que é mais difícil neste processo, escrever, compor ou dar voz aos temas?
Dar voz não tanto, porque é a que tenho… É esta e não tenho outra. O mais difícil deste processo talvez seja a música, não sou instrumentista, não sou guitarrista, tenho as minhas limitações na guitarra, faço acordes que nem sei o nome mas que me soam bem. Essa é a parte mais complicada. As letras entretenho-me mais, para mim é mais orgânico escrever a letra do que compor a música.
Não deixa de ser curioso que o ‘Terra Nossa’ tenha inspirado muitos dos temas do álbum, sendo que era um programa que ao início estava reticente se queria ou não fazer e que depois acabou por marcar a sua carreira… Até por ter-se tornado inspiração.
Sim. Acho muito difícil dizer-se que um programa marca a carreira de alguém. No fim, se eu chegar aos 90 anos, vamos olhar para trás e perceber quais marcaram a minha carreira. Nesse aspeto, acho que a ‘Esperança’ marcou mais do que propriamente o ‘Terra Nossa’. Mas é um programa que hoje em dia me sinto muito bem a fazer e quero continuar até a SIC e o público acharam bem. O ‘Terra Nossa’, realmente, era um programa que não ia aceitar, fui meio empurrado pelo Salvador Martinha, que um dia a falar comigo disse-me: ‘amigo, acho que vais fazer bem, aceita’. Ia convicto de que não iria aceitar, eram só quatro programas e acabou… E agora já nem sei em quantos vamos.
Desta vez é mesmo só música, não há improviso nenhumÉ mais um caso de: talvez não seja nada…
É mais um caso de talvez não seja nada, exatamente [risos].
Por falar em programas, agora também o vemos no ‘Vale Tudo’. Este formato junta em algumas provas, como a serenata, música e improviso. Também vamos ver essa mistura acontecer na digressão do álbum ou desta vez é mesmo só música
Desta vez é mesmo só música, não há improviso nenhum, não há momento nenhum de humor. Obviamente que, entre músicas, a minha comunicação com o público tem humor inerente – nem sei se é humor, é a minha maneira de ser e as pessoas riem-se disso, acham agradável -, isso vai obviamente existir. Acaba por haver humor, mas não em canções.
Os nervos aumentam. Sinto-me uma criança na piscina dos grandesEntão, quem este sábado vai estar no Campo Pequeno o que pode esperar?
A maior coisa que podem esperar é rigor, digo isto muitas vezes porque realmente aí não brinco e consigo dominar. Não faço uma coisa em cima do joelho e as pessoas não chegam lá e não se sentem defraudadas, isso de forma nenhuma. Quando digo rigor é no cenário, nas luzes, no som, com os músicos em palco, tudo muito ensaiado, tudo muito bem feito. Agora, o gosto é outra coisa. Se a pessoa sai de lá a dizer odiei ou foi espetacular, não sei, não domino, mas domino que as pessoas quando se sentarem lá vão dizer: ‘o meu dinheiro está aqui bem aplicado e merece a pena ter vindo, isto é um espetáculo’. Bonito ou não, já cabe a cada um.
E os nervos aumentam por estar prestes a subir ao palco, mas agora com um espetáculo completamente diferente de todos os que fez até aqui?
Aumentam. Sinto-me uma criança na piscina dos grandes. Aumentam um bocadinho mais porque é uma coisa que não domino tanto como domino, ou como acho que domino, outro espetáculo qualquer. Não sei se aumentam, se são diferentes, mas que os sinto mais, sinto.
Sou artista e ator, mas não tenho horário de artista e atorEstes primeiros concertos, no Campo Pequeno e na Super Bock Arena, vão ter como convidados António Zambujo (em Lisboa), Miguel Araújo (no Porto) e também Juliana Anjo, com quem revelou recentemente ter uma história muito curiosa que partilhou nas redes sociais…
Soube naquele dia essa história. Foi a mãe que me enviou a foto e disse-me, ‘a Juliana nunca quis que eu contasse isto, mas eu vou contar’. Eu não sabia essa história. Convido a Juliana para cantar comigo porque estou a ver televisão e no ‘Ídolos’ sobressaiu a Juliana. Gostei muito da voz dela e já queria um dueto para a ‘Balada dos Meus Avós’ e falei com o Guilha, meu diretor musical mas também guitarrista no ‘Ídolos’. Disse-lhe que havia uma miúda no programa perfeita para fazer comigo a ‘Balada’. Ele adivinhou de quem estava a falar, disse-me que ela era super minha fã e que já tinha falado com ele sobre isso.
Falei com os pais para convidá-la, porque ela é menor de idade, e a mãe disse logo que ela ia adorar. Só agora é que soube que ela a primeira vez que me viu tirou uma foto e disse aquilo, que um dia ainda ia cantar comigo. E acertou, vamos estar no Campo Pequeno já este sábado.
Atualmente a gravar o ‘Vale Tudo’, um programa exigente, a promover um novo disco, a preparar uma digressão e a escrever uma série – está a ser uma altura particularmente intensa de trabalho?
Tem sido uma altura intensa de há muitos anos para cá. Sou artista e ator, mas não tenho horário de artista e ator. Tenho um escritório onde entro às 09h00 e saio às 18h00, podia trabalhar para uma marca qualquer, ser um escritório da Nestlé. Todos os dias tenho uma equipa de cinco pessoas e todos os dias produzimos coisas, seja para o que for, seja uma ideia de publicidade, uma ideia para um programa, uma série, escrever alguma coisa, tratar do cenário dos Commedia à la Carte deste ano, tratar de um disco, de um programa. É bom fazer o que gosto, mas eu trabalho como se fosse uma empresa de outro ramo qualquer.
E no meio de tanto projeto, o que é que ainda falta mesmo fazer? É o livro?
O livro gostava, quando tiver mais tempo para mim e o ócio me ajudar. Está nos meus horizontes, mas para já não consigo ter esse foco. Mas não tenho muitos objetivos. Se me perguntarem o que pretendo estar a fazer daqui a cinco anos, não tenho resposta para essas coisas. Vou com o que o tempo me diz para fazer, vivo com o dia de hoje.
Com que sentimento gostava de deixar, no sábado, o palco do Campo Pequeno?
Não é bem dever cumprido, porque acho que isso, mais para a esquerda ou para a direita, vai acontecer. Gostava que o sentimento fosse o de atingir expectativas, de surpresa, que as pessoas sentissem e que eu e os músicos que tocam comigo saíssemos surpreendidos, com o sentimento de que nos superámos, de que foi surpreendente para quem nos foi ver e até mesmo para nós. Acho que era o ideal.
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